A VERDADE NÃO SERIA BASTANTE PLAUSÍVEL SE FOSSE FICÇÃO - Richard Bach

terça-feira, 16 de março de 2021

Agora era minha vez...

 Walter, João Carlos, Zé Carlos e amigos que nos acompanham, antes de tudo meu muito obrigado pelo prestigio que nos trazem ao acompanharem o Histórias. Ficamos felizes  e envaidecidos. Não uma vaidade fútil, mas aquela que nos mostra o sentido de ter feito algo que vale a pena, que contribui.
 De minha parte nem preciso comentar! 
 Rui

 Então, ganhei este carro de meu pai quando completei dezoito anos, em maio do ano anterior. Fui busca-lo zerinho na Janda da rua Rosa e Silva, branco, minha cor favorita, como já havia tido um Karmann Ghia e muitos outros carros depois. Era 1970 e como na época seu cambio era de três marchas com alavanca na coluna de direção, freios a tambor.

 No próprio dia dezessete de maio lá estava eu na porta do despachante que nos servia, o Waldemar Batista, se não me engano na Alameda Joaquim Eugenio de Lima, quase chegando na Rua Estrados Unidos. Pobre Waldemar, há uns três anos, quando ia levar algum documento, perguntava à ele se já podia tirar minha CNH... Agora podia! 
  
 Na época a CNH demorava algum tempo, ainda mais que no exame de baliza dei uma mancada no VW da Auto Escola, e tive que voltar à fazer o exame pouco depois. Desta vez fui com um Galaxie lá de casa e foi tudo muito mais fácil.
Quando enfim minha CNH ficou pronta já não havia mais corridas naquele ano, até por que o autódromo de Interlagos estava em reformas para os grandes acontecimentos que sediaria nos próximos anos.    

 Eu maluco para ir à Federação pedir minha carteira de Estreante e Novatos, e quando fui no começo de 1971, uma grande decepção. Meus pais deveriam assinar a autorização, coisa que jamais aconteceria. A história daquele Porsche 550 RS que meu pai havia comprado para meu irmão correr os 500 Km de 1961, jamais se repetiria. Meu irmão era um diletante, foi a única corrida em que participou e não queria mais pensar no assunto, minha ideia firme era de seguir carreira, mesmo antes de estrear. A negativa de ambos foi peremptória.   
No calendário daquele ano, entre as poucas corridas de Estreantes E Novatos a primeira era a promovida pelo Expedito Marazzi, o Festival de Marcas. Fui procura-lo, e mesmo sem a carteira de piloto avisei que correria, quando me perguntou com que carro disse que não tinha ideia. 
Dez anos antes Expedito havia testado o Austin Healey de minha irmã para a revista Quatro Rodas, tinha então oito anos e não me recordava dele, apesar de ser um leitor ávido de seus textos. Um amigo querido, partiu muito antes da bandeirada final, faz falta, deixou saudades.

 Foi quando, foi quando mesmo, que na casa do casal Barros Mattos, dona Célia e Dr. Manoel amigos de minha mãe e pais de meus amigos, encontrei o Tigrão - Carlos Mauro Fagundes - em um jantar. Irmão do Tigrão da Torke, que era sócio de Claudio Daniel Rodrigues que era cunhado do grande Luiz Pereira Bueno. A Torke uma "fábrica" de campeões, grandes talentos lá se revelaram.
No meio da conversa, eu sempre contando que queria ir para as pistas, o Tigrão se vira e diz "corre com o Dart!". No dia seguinte já estava em sua oficina a Muray, na Av. Sto. Amaro, preparando o carro de acordo com a Divisão Um, foi um grande apoio, jamais me esquecerei.
Ia esquecendo a autorização. Num arroubo que só se tem aos dezoito anos, fui até um "despachante" que um passarinho havia soprado em meu ouvido, e saí de lá com a assinatura deles com firma reconhecida. Contei ao meu pai tempos depois à minha mãe nunca.
A preparação para Divisão um consistia em abaixar o carro, colocar Sto.Antonio, de três pontos, conta giros e volante emprestados de meus amigos, afinação precisa do carburador, tirando o filtro de ar, e ponto com algum avanço a mais, eliminação de abafadores e escapamento saindo ao lado da porta. Amortecedores bem mais firmes, bem duros. No banco dianteiro inteiriço duas mantas grossas enroladas bem amaradas de cada lado, não permitiam que eu deslizasse nas curvas, foram feitas por minha namorada, e foram muito uteis. 
Walter, José Carlos, eu vinha na Um em terceira marcha e dava uma tiradinha de pé para faze-la, devia chegar lá por volta dos 160/165 km/h saía da Dois já de pé no fundo desde a tangência dela e chegava à freada da Três com o conta giros já no limite, cerca de 175/180 km/h. Apertava o alicate dos freios cerca de 150 metros antes, apesar de serem a tambor freavam o carro reto, sem trepidação, contornava a Três e Quatro em terceira. 
Aqui um adendo: Tarde da noite daquele domingo, reunidos na Av. Sumaré entre outros com o Guaraná, num papo ele me  diz "vc tirava o pé na Um", acontece que o grande piloto, que estreou no mesmo dia, já tinha uma grande experiência no kart, enquanto eu com um metro e noventa, noventa quilos nunca pude competir neles. 
"Mas venci Guaraná!" " venceu bem Rui" um grande piloto, um amigo querido que também subiu antes da bandeirada final, deixou o exemplo e saudades.
Antes da primeira perna da Ferradura, à direita, tirava o pé, e na tangencia dela, em linha reta, freava forte, bem forte e engatava segunda e contornava a segunda perna a esquerda com o motor quase cheio para logo em seguida engatar terceira novamente.
Na Subida do Lago, curva traiçoeira e complicada, que o digam meus amigos Chico Lameirão e Jr Lara, que lá andaram "passeando pelo muro". Uma tiradinha de pé em terceira, acelerava contornando a parte baixa da curva e na tangência enfiava a segunda para logo no começo da Reta Oposta enfiar a terceira novamente.     
Chegava ao Sol rápido, talvez a uns 160/165, pois mesmo com os 4/5 hps a mais que i Tigrão havia acrescentado ao motor a terceira longa não deixava que o carro desenvolvesse bem naquela subida. Bem o Sol,...Aquela curva que separava os homens dos meninos, seu raio longo, com duas tangências...tirava o pé na entrada, bem pouco e vinha nela toda em terceira, depois de sua segunda tangência, já de olho na reta que levava ao Sargento, pé no fundo, já pensando na complica freada que viria.
O Sargento começava em descida e pouco antes da tangência começava a subir, chegava lá em terceira talvez à uns 165/170, e quando freava a transferência de peso da traseira para dianteira era brutal, freava a uns 150 metros, pendurado! Entrava em terceira, para logo num punta taco enfiar a segunda, com a traseira querendo escapar acelerava forte para subida que ia ao Laranja, que era feita em terceira com o carro querendo sair nas quatro.
No S uma freada e segunda marcha, para contorna-la e ao Pinheirinho, e na saída tocando i final da pista, que na época estava sem as zebras, caprichar para não tocar a terra.
Veja Walter, chegava no Bico de Pato em terceira, no começo numa manobra complicada reduzia para segunda e primeira ao faze-lo. Acontece que em primeira, naquela curva feita a mais ou menos 45 km/h, quando acelerava as rodas traseiras patinavam, estava no momento máximo do torque e lento, e acredito que perdia tempo. Depois passei a faze-la em segunda que levava até o começo da curva do Mergulho e engatar novamente a terceira.   
Na Junção chegava em terceira, ela já havia me pegado nos treinos, freava com muito cuidado, enfiava a segunda para logo a seguir acelerar forte, o contorno perfeito e a forte acelerada nela que levavam os carros a chegarem forte a Um.
Daí até a Um em terceira com o pé no fundo o tempo todo.
Na foto vocês podem ver que o carro, com aquela configuração de amortecedores e molas, rolava muito pouco, balançava, mas nada muito assustador.    
Bem meus amigos, ao menos nos treinos era assim, na corrida depois de 4/5 voltas os freios já não seguravam tanto, e na Três e no Sargento era um sufoco daqueles!

 Segunda feira- Por volta das oito horas um primo me acorda, minha foto estava na primeira página do caderno de esportes de um jornal, e depois também no Jornal da Tarde e mais uns dois ou três. Me vesti, ao sair não vi minha mãe, graças ao bom Deus, e fui para Mooca, o querido bairro onde meu pai dava expediente pela manhã, na sede dos Alimentos Selecionados Amaral S.A. 
As pessoas me cumprimentavam e na porta do escritório dele a secretária só apontou o dedo, indicando que ele estava só.
Ele me olhou, os jornais sobre sua mesa, beije-o...
Saudades pai.   

Deste final de semana algumas amizades que me acompanham até hoje, Jacob Kounrouzan, Edo Lemos, João Carlos Bevilacqua...
E aqueles que fazem uma tremenda falta, Expedito e Guaraná. 


Rui Amaral Jr

    

  




2 comentários:

  1. Caramba, que História emocionante!

    Vou ler devagar, e de novo, a volta quase toda em terceira.

    Mas o final é emocionante: parabéns!! Me pergunto o que se passou na cabeça de seu pai...

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    1. Olá Walter,

      Quando vc comentou sobre a primeira, logo lembrei, a primeira do Dart chegava a 70 km/h, talvez com aquele motor girando mais livre com outros giclês, regulagens e sem o filtro de ar à uns 74. Aos 45 km/h o motor estava entrando em seu ponto máximo de torque, naquela curva de lenta o carro vinha pesado, acelerar em primeira, mesmo com todo cuidado, destracionava mesmo!
      Não leia novamente, por favor, a parte da autorização.
      Meu pai, ora meu pai! Um homem do mundo, no primeiro momento perguntou o que fui fazer, para logo a seguir sorrir, gostar da minha iniciativa, sem nada pedir a ninguém, apenas aos meus amigos que me ajudaram. Seu maior receio era minha mãe, eram separados e ela podia pensar que tive a colaboração dele.
      Mais para frente vou contar como ele me ajudou de longe e secretamente naquela temporada, infelizmente ele subiu aos 59 anos, muito antes da hora.

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Rui Amaral Jr