No dia 25 de abril de 2020, perdemos
um dos maiores projetistas de carros de corrida do Brasil, Ricardo Divilla
morreu na França, longe do seu Brasil, por quem ele fez tanto.Não tive a felicidade de conversar com ele, só o vi
nos testes dos carros da Copersucar, e no GP do Brasil na estréia do carro em terras
tupiniquim. Já não era o FD01, e sim o FD02, o que o Ricardo nunca concordou
com a nomenclatura, para ele deveria ser FD01, FD01A e FD01B, pois o chassi era
o mesmo. Era uma quinta-feira, e os carros ainda estavam sendo montados, e,
rato de boxes que era, estava eu lá, olhando uma McLaren, quando o Ricardo
entrou nos boxes, se agachou ao lado do carro, olhou para os dois lados e
colocou a mão embaixo do carro, medindo a altura do piso até o carro com os
dedos. Achei estranho e engraçado ao mesmo tempo e fui atrás dele até o box da Fittipaldi, e ele fez
o mesmo no FD02, e logo depois, falou com os mecânicos que imediatamente,
começaram a mexer na suspensão do carro. Na F1, qualquer arma é valida para se
andar mais rápido, e, se ele só tinha os dedos para usar, esta
valendo.
Formado em engenharia aeronáutica, esteve junto com
os irmãos Fittipaldi desde a criação do Fusca bi-motor, um carro projetado por
ele para andar junto com os Fords GT40 e as Lolas T70, era um carro
interessante e muito rápido, mas quebrava demais e foi abandonado. Divilla
também fez alterações no Lotus 69 F2 do Emerson, e no Porsche 917 do Wilsinho,
colocando sua marca registrada nos dois, um aerofólio dianteiro suspenso, que
mais tarde, também foi usado tanto no FD01, como no FD04 na F1.
O FD01 é considerado por muitos como o carro mais
bonito já construído na F1, e eu concordo. Tanto que na Argentina, Colin
Chapman, ficou por mais de 20 minutos rodeando e observando o carro. E muitas das
inovações, são usadas até hoje, como o motor carenado. Porem, não há duvidas
que era um carro problemático, tanto que só correu uma vez na Argentina. Ingo
Hoffmann me disse certa vez no “mensager”, que um dos problemas, era a
suspensão dianteira que não chegava a altura ideal, e que isso foi resolvido no FD02. Outro
grande problema era a altura do piloto em relação à
visibilidade, Wilsinho treinou em Interlagos, pista que ele conhecia como
poucos, mas, quando chegou na Argentina, não conseguia ver os pontos de
tangencias, e o que tirava preciosos segundos. Outro problema era a refrigeração,
pois os radiadores traseiros não funcionavam a contento, Li em algum lugar, que
o ar frio chegava aos radiadores, mas por um fator que só a física pode
explicar, não conseguiam sair pela traseira do carro. Acho que um dos maiores
erros, foi não ter mantido o FD01 ao menos em Interlagos, pois seria uma ótima
propaganda em uma pista que a equipe conhecia bem. Mas, enfim, o belo FD01,
durou somente uma corrida.
Quando Divilla entregou o projeto do FD04 para o
Wilsinho, disse: “Aqui esta tudo que sei sobre F1, daqui para frente, eu não
posso fazer mais nada”. Mas o FD04, era um projeto espetacular, com algumas
inovações, como as placas que fixavam as suspensões no chassi, que poderiam ser
mudadas caso houvesse alterações na sua geometria. O carro era tão bom, que o
Emerson ficou muito entusiasmado com o desempenho nos testes em Interlagos, e,
teoricamente, se andasse bem em Interlagos, andaria bem em todas as pistas, o
que é um fato. No GP de 1976, Emerson se classificou para a largada em 5º, e
poderia ter sido o 3º, se não fosse atrapalhado pela Ferrari do Clay, segundo a
lenda. Mas o mais estranho foi a
Cosworth, que nunca tinha ajudado em nada a equipe, oferecer um motor zero para
o Emerson largar, e lógico, foi aceito pelo Wilsinho, resultado, Emerson saiu
da curva um em terceiro, e iria engolir os dois da frente quando, no meio do retão,
o motor começou a falhar e o carro foi perdendo posições e terminou em 13º Em 1976, o carro marcou apenas 3 pontos
terminando o campeonato, em 11º lugar,
já em 1977, apesar de correr somente seis provas, o carro andou melhor,
conseguindo dois 4º lugares e um 5º, e depois foi substituído pelo F5.
Mas o FD04, nunca foi um carro de ponta como Emerson imaginava.Ai veio o horrível F05 de David Baldwin, um carro
feio, lento e com soluções duvidosas. Não teve jeito, junto com o projetista
Giacomo Caliri, Divilla alterou o projeto e fez o F5A, que por
mim, deveria se chamar FD5A, e acho que foi o melhor
carro da equipe, conseguindo em 1978 o tão festejado o 2º lugar no GP do
Brasil.
No
final de 1978, a equipe Copersucar-Fittipaldi, apresenta o belo F6, projetado pelo Ralph Bellamy, que logo no
primeiro teste, após três volta, se mostrou um carro muito ruim com um serio
problema de torção do chassi, e mais uma vez, Ricardo Divila junto com Giacomo
Caliri foram chamados para tentar o milagre de fazer o carro andar, surgindo
assim, o F6A, mas infelizmente, nem sempre o milagre acontece, e o carro nunca
chegou a ser competitivo.
Ricardo
voltou a ser o projetista da equipe em 1982 com o modelo F9, junto com Tim
Wringht. Um carro muito bonito e bem feito, e segundo Wilson Fittipaldi, o
melhor carro que eles construíram (ele fala isso no documentário “A Era dos
Campeões”), mas a equipe já não tinha bons patrocinadores e o carro não foi
devidamente desenvolvido, e a equipe fechou no final de 1982.
Ricardo
Divila trabalhou também nas equipes Ligier, Life, Fondmetal e Prost. Foi técnico
graduado na Nissan e colaborador da Equipe Pescarolo da Le Mans na categoria
LMP2.Sem
duvidas, Ricardo tem um currículo invejável, e com certeza muita historia. Nos últimos
anos, novamente junto com Wilson Fittipaldi, era diretor técnico da nova
Formula Vee e estava para lançar a Formula 4 brasileira.
Divila é o que chamamos hoje de NERD. Uma vez ele disse que estava sempre lendo alguma coisa, e se não estivesse com um livro por perto, lia os rótulos dos refrigerantes, pois sempre havia algo a aprender. O Brasil perdeu um personagem histórico, mas não haverá nenhum documentário feito pela TV, pois no Brasil os nossos grandes personagens não tem valor se não estiver com uma bola no pé. É uma pena.
Mario Souto Maior
Agradecimento especial a Ararê Novaes, que gentilmente nos cedeu as ilustrações.