A VERDADE NÃO SERIA BASTANTE PLAUSÍVEL SE FOSSE FICÇÃO - Richard Bach

quarta-feira, 12 de maio de 2010

LENDAS URBANAS

 Conheci o Carlos em 2008 quando vi uma foto minha em seu blog, ficamos amigos pela Internet depois pessoalmente. Uma figura incrível, apaixonado por automobilismo é hoje um pesquisador de respeito, lê e acompanha tudo sobre automobilismo. Quando quero fazer alguma pesquisa é em seu blog que procuro primeiro. Ontem lendo esse seu texto resolvi reproduzi-lo aqui.

Ah! Ia esquecendo ele está também em um novo site onde mostra resultados de corridas.
http://portuguesetranslations.com/blog/index.php?blog=3


Fiz esse banner para seu novo site, e por incrível que pareça ele até gostou. Amigo é prá essas coisas!  Rui Amaral


DELÍRIOS, DEVANEIOS, DESEJOS E DESILUSÕES

Por Carlos De Paula

Freqüentemente lia-se nas revistas de automobilismo dos anos 60 e até os anos 80, sobre planos clamorosos que terminavam em verdadeiras peças da ficção. Os alucinantes anúncios se davam em parte à frustração de fazer automobilismo profissional no Brasil, e geralmente envolviam algum mirabolante esquema de participação de pilotos brasileiros nas corridas da Europa ou dos Estados Unidos.
Em 1965 a equipe Willys passava por uma fase difícil. Acostumada com vitórias desde a sua fundação em 1962, se via na condição de freqüente derrotada, já que as Abarth Simca dominavam francamente o automobilismo desde a sua chegada no Brasil em agosto de 1964. Salvo pela sua brilhante vitória nos 1600 km de Interlagos, com carreteras Gordini, a Willys tinha que se contentar com uma ou outra vitória em provas de menor expressão.
Luis Antonio Greco já havia visitado as corridas européias no ano anterior, e teve a idéia fixa de que a Fórmula 3 seria o futuro do Brasil. Embora a Fórmula Júnior não tivesse dado certo por uma série de razões, Greco achava que uma Fórmula 3 num estilo Fórmula Renault (ou seja, uma monomarca) poderia dar certo. Visionário certamente Greco era, pois um dia a Fórmula 3 se tornou uma categoria de ponta no Brasil, as monomarcas dominaram o automobilismo brasileiro e até a Fórmula Renault acabou desembarcando na Terra Brasilis. Mas era 1965...
A Willys não só contava com o talento de Greco, como também do preparador Brizzi, do designer Toni Bianco, além de diversos pilotos de alta categoria, como Bird Clemente, Wilson Fittipaldi Junior, Luis Pereira Bueno e José Carlos Pace. Pois Greco resolveu construir um F-3 brasileiro, o Gávea, com motorização francesa. Este eventualmente acabou competindo, com sucesso, nos 500 km de Interlagos de 1965, e posteriormente na Temporada Argentina de F-3 de 1966, sem sucesso. Mas os planos de Greco eram muito mais ambiciosos.


Greco queria construir diversos Gávea, e disputar a temporada de 1966 na Europa, levando a tiracolo Brizzi, Bianco, além de Moco, Luisinho, Bird e Wilsinho, que morariam em Paris. Trés chic! Além disso, Greco também tinha planos para o continente americano: construir dois protótipos especiais para participar das 12 Horas de Sebring, com motor 1100 ou 1300, com os mesmos quatro pilotos. Planos, planos, planos.
Sonhos não realizados. Só foi construído um Gávea, que continuou a ser aprimorado em 1966, mas que nunca foi enviado à Europa. Wilsinho, certamente entusiasmado com a idéia, ainda tentou correr no velho continente por conta própria, chegando a treinar com um Pygmee na Coupe de Vitesse em Reims, mas a Equipe Willys International nunca passou das suas excursões platinas. Justiça seja feita, as ambições européias de Greco deram o impulso para que três dos seus pilotos eventualmente se aventurassem na Europa, todos ganhando múltiplas corridas e chegando à Fórmula 1.
Por bem, por mal, a Willys era uma fábrica, que investia razoavelmente no automobilismo brasileiro. Havia uma certa viabilidade de o projeto ocorrer, por mais delirante que fosse. Mas a suposta participação do piloto independente Camillo Cristofaro nas 500 Milhas de Indianápolis, com uma Lotus, seria um pouco mais difícil de concretizar.
Nem mesmo os desafetos de Camillo podiam questionar o seu esmero no preparo dos seus carros. De fato, numa época em que tanto a Mecânica Continental como a categoria Carreteras estavam em vias de extinção, Camillo consistentemente aparecia com carros muito bem preparados, deixando a concorrência a ver navios. Nesta mesma base, muitos dos desafetos do Camillo o criticavam, alegando que Camillo só ganhava por não ter concorrentes, por só correr em categorias onde não teria concorrentes à altura.
Obviamente havia uma ponta de inveja nisso, pois além de ser um excelente mecânico e preparador, Camillo era praticamente o único piloto do Brasil com uma torcida. Seja onde estivesse correndo, uma verdadeira caravana seguia Camillo: se a corrida era em Interlagos, melhor ainda, aí o Canindé inteiro baixava no autódromo. Quanto a seus dotes de piloto, Camillo provou em 65 ser excelente em pelo menos em duas ocasiões. Nos 1600 km de Interlagos foi de longe o melhor com carro pesado na corrida, liderando muitas voltas e chegando em terceiro. A prova foi disputada sob intenso nevoeiro durante a noite, dificultando demais as coisas para as carreteras e Simcas, carros mais pesados, que tinham que fazer as curvas quase parados para evitar acidentes. Com isso a corrida se tornou um passeio para os Gordinis, que ganharam muito tempo durante a madrugada. O carro de Camillo pifou muito durante a noite, mas ainda assim chegou no final da prova, apesar do suporte de um co-piloto não muito inspirado. E no GP do IV Centenário, Camillo conseguiu superar as Abarth e as outras equipes de fábrica. De novo os rumores de que “com Ferrari qualquer um ganha”. Certamente, isso chateou muito Camillo, que nem participou dos 500 km de Interlagos.

No final do ano, Camillo anunciou seu grande projeto para 1966: correria em Indianapolis, com uma Lotus idêntica a que levou Jim Clark à vitória em 1965. Segundo declarações à imprensa, Camillo já tinha praticamente fechado o negócio que o levaria ao meio-oeste americano no ano seguinte. De fato, Camillo fora espectador das 500 Milhas de 1965, e certamente voltou maravilhado com o espetáculo: 33 bólidos de alta categoria, correndo durante quase 4 horas, com prêmios espetaculares (166.000 dólares para o vencedor de 1965!!!). E para completar, com o melhor piloto do mundo, Jim Clark, ganhando a corrida. Deslumbrado, Camillo, que nunca se esquivou de um desafio, disse “no ano que vem estou no grid”.
Comparativamente, parece que não se gastava tanto dinheiro para correr antigamente. A estimativa de custo de uma participação em Indianápolis era aproximadamente 50.000 dólares. Só que 50 paus na época era muuuuuuuuuuita grana. Mas Camillo acreditava que poderia levantar o dinheiro para este projeto.
Não duvido em momento algum que Camillo acreditava piamente na viabilidade da empreitada. Falou sobre avançadas negociações de alto nível no eixo São Paulo-Londres-Nova York. Mas, convenhamos, era muito difícil para um piloto sem experiência em Fórmula Indy ou categorias top passar o rookie test em Indianapolis, quanto mais se classificar para a largada. Nessa época, mais de 70 carros tentavam um lugarzinho ao sol, e para piorar, os estrangeiros de primeira linha como Clark, Hulme, Rindt, Stewart e Hill haviam descoberto o Brickyard. Camillo era muito rápido, mas não tinha experiência em ovais, sendo que os carros naquela época já atingiam velocidades médias de 162 milhas por hora. Comprar o carro era só parte do problema: seria necessário formar uma equipe de mecânicos qualificados, especializados em abastecer e trocar pneus a velocidade relâmpago (para os padrões da época). Certamente o pessoal do Canindé não poderia ser usado. Sem contar a questão do inglês e o fato de a Formula Indy não ser aberta para não-anglos na época. A vulga xenofobia que existe hoje na NASCAR, existia na Formula Indy naqueles tempos.
Seja qual for o impedimento, e certamente foram inúmeros, principalmente numa época em que o patrocínio comercial de corredores no Brasil era incipiente, Camillo não participou das 500 Milhas de Indianapolis de 1966 e nunca mais se falou do assunto. Como consolo, ganhou as 1000 Milhas de 1966.
Participações de pilotos brasileiros no GP do Brasil eram freqüentemente anunciadas. Cabe lembrar que a Fórmula 1 dos anos 70 e 80 era muito diferente do esquema rígido de hoje. Equipes freqüentemente alinhavam 3 ou mais carros, trocavam de pilotos de corrida para corrida, havia equipes independentes, carros de aluguel, e até carros que participavam de uma corrida por ano, como o Kojima japonês e o Lyncar britânico.

O Campeão de Fórmula VW 1600 de 1980, Antonio Castro Prado, não estava muito contente com a fraca Formula 2 Brasil que substituiu a categoria. Próspero fazendeiro do interior de São Paulo, Prado já havia corrido na Europa em 1975. Inicialmente correu com Pedro Victor de Lamare com um March esporte, e acabou a temporada fazendo algumas corridas de F-2. Prado tinha planos ambiciosos e anunciou que estaria participando da Fórmula 1, em 1982, possivelmente a bordo de uma Williams particular. Infelizmente, antes do final de 1981 Prado estaria morto, vítima de um acidente evitável na pista de Guaporé.
Existe também a obscura estória envolvendo uma suposta participação de Eduardo Celidônio no GP da Fórmula 1, em 1977. Aqui o limiar entre lenda e história fica nebuloso, pois os registros oficiais da corrida não ratificam os termos do relato. De qualquer forma, aqui vai. O ex companheiro de Camillo Cristofaro teria conseguido uma verba, que se situava entre $50.000 ou $60.000 para ter o privilégio de dirigir um Shadow no GP do Brasil de 1977. Estrela dos GPs do Brasil de 1975 e 1976, em 77 a Shadow estava em franco declínio, portanto, a idéia de alinhar um terceiro carro em troca de 50 paus não era nada má, já que o carro estaria no País de qualquer maneira. Provavelmente não duraria cinco voltas, mas aí é outro “causo”.

O grande problema seria obter uma licença internacional para Celidônio, que realmente tinha pouca experiência em carros de nível alto. Conversa daqui, conversa dali, com uma ajudinha de Pace e Emerson, deram o OK. Equipes de F-1 da época estavam longe de ser os portentos de hoje. A Shadow só trouxera três chassis e três motores para o Brasil. Se desse uma zebra, dançaria a carreira de Celidônio na F-1. E de fato, um dos motores dos titulares teria quebrado, e Celidônio recebeu sua verba de volta, desiludido. Até que ponto o assunto não passou de uma negociação muito preliminar, ou quem sabe mera conversa, não se sabe. O fato é que não encontrei nenhuma documentação séria fora do Brasil para corroborar a estória.
Rumores foram muitos. De que Chiquinho Lameirão correria num GP do Brasil com uma terceira McLaren. O próprio Paulo Gomes, em uma coluna assinada por ele mesmo em uma revista QR de 1975, alegava estar em negociações avançadas para alugar um F-1 para o GP do Brasil de 1976, que poderia ser um Hesketh, Tyrrel ou Williams. Acabou correndo mesmo na F-3 inglesa! Rumores de que Antonio Carlos Avallone faria uma temporada de F-5000 no Brasil, em 1969. De que o mesmo criaria a Fórmula 5000 no Brasil em 1974. Sem contar quantas vezes se dizia que a Fórmula 3 seria implantada no Brasil (água mole em pedra dura...) E vai por aí adiante. Que tal a prova internacional de carros esporte para inagurar o autódromo de Goiânia em 1973 (inserida no calendário internacional da F-1 para aquele ano). Sem contar os diversos autódromos que certamente seriam construídos pelo Brasil afora, como Adrianópolis e Volta Redonda.
Uma obscura não participação foi a inscrição de Norman Casari nos 1000 km de Nurburgring de 1968. Um dos principais pilotos brasileiros da época, o carioca Casari aparece na lista de inscritos da corrida, como um dos pilotos do Porsche 911R inscrito pela equipa portuguesa Sport União Sintrease. O carro de número 28 não apareceu nas montanhas de Eifel, e que me conste, nem Casari, nem Cavagnac (pseudônimo de dr Ruy Carvalho) estavam lá. De certo somente que Nogueira Pinto e João Vilar participaram da corrida com o Porsche 27, da mesma equipa. Segundo um site português, a inscrição seria uma inscrição reserva fictícia! Ora pois!!! Estou a pensar que Casari fez alguns amiguitos durante as Mil Milhas de 1967, mas não tão amigos assim.

Um comentário:

  1. Caro amigo Carlos,
    parabéns pelo belo e emocionante post!!
    Abraço,
    Graziela

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Rui Amaral Jr