A VERDADE NÃO SERIA BASTANTE PLAUSÍVEL SE FOSSE FICÇÃO - Richard Bach

segunda-feira, 7 de novembro de 2022

A Rebel Driver by The Classic Machines

 


"Mille Miglia...corrida singular em um tempo de corridas incomuns. A história de Alfonso De Portago deve ser conhecida das novas gerações, de modo que está de parabéns o Rubens pela iniciativa. E a nós, só cabe agradecer pelo prestígio e a presença dele, próximo de nós.

Caranguejo”


Dias atrás recebo num comentário do Histórias pedido do Rubens para usar o post/texto de “CABEÇA DE VACA” escrito pelo Caranguejo – Carlos Henrique Mércio –, meu amigo, sócio e herdeiro do Histórias no longínquo 2010 e repetido semanas atrás.

Hoje em comentários ele deixa o link de seu trabalho. Novas fotos, que na época não tínhamos e uma bela explicação do que foram as Mille Miglia, ficou maravilhoso.

Não lembro de conversar com o Caranguejo sobre, afinal quando conversamos são horas e horas de fofocas, desculpem, trocas de informações e o motivo da ligação acaba ficando esquecido.

Parabéns Rubens por seu excelente trabalho e obrigado pela consideração e carinho.

 

 Rui


sábado, 5 de novembro de 2022

CULTURA DO AUTOMÓVEL - Novembro 2022

 


quarta-feira, 2 de novembro de 2022

Luiz Carlos Sansone

 

Firme e forte lá vem Luiz Carlos Sansone...


Ontem acordei preocupado, de maneira alguma ficaria em casa, o bonde da história passava e ...

Estava preocupado com meu filho que estava em Manaus e com passagem comprada para Guarulhos que àquela altura estava inoperante, preocupado com a situação do país, e ainda preocupado com algumas amigas nervosíssimas que trancadas em casa não sabiam o rumo de tudo. O telefone pipocava, no Zap mil mensagens, geralmente com bobagens e teorias que nunca vejo.

Moro entre Jundiaí e São Paulo, de casa vinte minutos até Jundiaí e trinta e cinco até a Praça Panamericana. Na noite anterior o Chico me liga dizendo para não esquecer de completar o tanque do carro, coisa que nunca esqueço, e comentando todo estado de coisas que acontecem.

Precisava ir à Jundiaí pagar um salário e comprar algumas coisas, e pretendia passar pela sede do 12º G.A.C ao menos para mesmo sozinho reverenciar nossa bandeira. Passei na casa de meu amigo Andrei veterinário e R2 para convida-lo, mas ele não estava. Comprei quatro pacotes de cigarros e fui.

Na rodovia Tancredo Neves que me leva até Jundiaí estranhei o pouco movimento. Entrei na cidade com pouco trânsito e fui fazer uma parte de meus compromissos, poucas pessoas nas ruas.

Saí da Ponte São João peguei aquela marginal que leva à avenida do 12º e acesso à Anhanguera e parecia que nada acontecia. Mal passei a loja da Havan e carros estacionados dos dois lados da avenida, o coração palpitava, parecia estar no grid com o aviso dos três minutos levantado.

Consegui estacionar e fui me juntar àquele mundo, nos trezentos ou quatrocentos metros que andei consegui comprar uma bandeira, a minha tinha dado ao Chico numa manifestação anterior, e com ela no peito, junto à Nossa Senhora Aparecida segui.

Da praça em frente ao Batalhão subi a alça de acesso conversando com muitos e cheguei onde havia uma barreira e lá fiquei conversando com o pessoal que já estava por lá há mais de um dia. Tirei um maço de cigarros do bolso e acendi um, o caminhoneiro também o fez e me disse que os cigarros estavam acabando e não sabia onde conseguir mais. Lembrei dos pacotes que havia comprado e lá desci quinhentos ou seiscentos metros para pegar, voltando entreguei um a ele para distribuir entre os que lá estavam e os outros deixei em um caminhão onde voluntários distribuíam água e alimentos.

De lá avistava uma grande Bandeira hasteada no alto de uma grua e debaixo dela o som de nosso Hino que tocava ininterruptamente. Subi aqueles 500/600 saldei-a e lá fiquei só algum tempo, lembrei de meu amigo Arturão, o grande campeão que ao parar de correr amava levar a vida na boleia de seu caminhão, livre leve e solto, e como um marinheiro uma namorada em cada parada.

Descendo para praça passo por um senhor com uma bandeira no peito e segurando outra, ando alguns metros e resolvo voltar e pedir que ele me permitisse tirar uma foto. Conversava com ele que me disse ter oitenta e dois anos e toca meu celular, era minha querida amiga Fátima preocupada comigo e com tudo, conto à ela do senhor e sua idade ao que ele retruca “diga à ela que é o Luis Carlos Sansone!”...o motor deu uma engasgada, depois subindo de giro disse a ele “sou o Rui Amaral!”, nossos sorrisos se iluminaram e um grande aperto de mão e um forte abraço selaram um reencontro depois de talvez cinquenta anos.

Nas duas horas que juntos ficamos muito papo, conheci sua filha e genro e falamos muito dos amigos, para alguns até ligamos. Lembramos com carinho dos amigos Avallone, Arturão, Miguel, Ferreirinha, Pedro, Lolli, Jayme, Gorga, Zambello e tantos outros. A certa hora ele conta do telefonema do Chico horas antes para lembrar do combustível e ligamos para o amigo, mas ele estava fora do ar.

Voltei à minha casa para alimentar a Loira e o Mike, muitos telefonemas e mensagens, mais tarde tranquilo sabendo que depois de todo atraso meu filho já estava em sua casa, e feliz muito feliz com tudo.

Sansone, caro amigo, difícil descrever a alegria em vê-lo firme e forte, daqui a pouco estaremos novamente juntos, até lá um forte e fraterno abraço.


 

Rui Amaral Jr.  






quinta-feira, 20 de outubro de 2022

CABEÇA DE VACA - por Henrique Mércio

Portago, Edmund G. Nelson e a Ferrari 335-S. # 351 referia-se a hora de partida das Mille Miglia.

Fangio, Collins, De Portago e Luigi Musso, GP da Alemanha 1956.


Muito antes de Fernando Alonso tornar-se um ídolo do automobilismo, os espanhóis torciam por Alfonso de Portago nas pistas. Um piloto diferente, “Fon” era um nobre, autêntico marquês que não se importava de disputar freadas com os “plebeus”. De curta carreira (1953-1957), ele poderia ter entrado para a história da categoria como o piloto de nome mais exótico a passar por ela: chamava-se Alfonso Antonio Vicente Eduardo Angel Blas Francisco de Borja Cabeza de Vaca y Leighton Carvajal y Are. Para evitar as piadas, incorporou o seu título nobliárquico (Marquês de Portago) ao seu primeiro nome. Como dinheiro não era problema, nunca teve dificuldades para comprar o carro que quisesse, até mesmo uma Ferrari. Audacioso, uma de suas primeiras façanhas foi na aviação. Apostou com um amigo que seria capaz de passar com um pequeno aparelho por baixo dos arcos de uma ponte. De Portago ganhou a aposta, mas nunca pode tirar o brevê, ele que era recém saído da adolescência. Gostava de correr com cavalos também e foi integrante do primeiro time espanhol de bobsleigh (uma espécie de trenó), competindo nas Olimpiadas de Inverno/56. Porém, como o próprio Fon disse certa vez numa entrevista, sua paixão era o automobilismo. Casado, tinha dois filhos, mas nunca deixou de agir como um latim lover, tendo muitas namoradas. Estava quase sempre vestido de preto e com um cigarro na boca. Vestia-se de maneira frugal, mas denunciava sua origem nobre ao falar. Na equipe a qual esteve por mais tempo ligado, tinha uma relação difícil. Enzo Ferrari gostava de Portago como cliente, não como piloto. Mas o convidou para substituir Luigi Musso quando o italiano não pode continuar competindo em 1956. Das seis corridas em que participou, a melhor foi em Silverstone, onde estava em terceiro, atrás de Fangio e Moss, até ser chamado ao box, para ceder seu carro ao companheiro de equipe, Peter Collins. Nesses casos, os pilotos dividiam os pontos da colocação obtida. Fon de Portago entretanto, quis deixar bem claro sua insatisfação e pegou na Ferrari de outro companheiro, Eugenio Castelotti, que havia batido. Ele deu-se ao luxo de empurrar o carro abandonado e parou próximo à linha de chegada. Então acendeu um cigarro, pulou para dentro do cockpit e esperou. Quando o líder Juan Manuel Fangio recebeu a bandeirada e a corrida terminou, o espanhol desceu e empurrou os metros que faltavam, recebendo a bandeirada em 10º lugar. Já sua parceria com Collins rendeu a 2ª posição, a melhor em sua passagem pela F1. Em 57 ele continuou sua convivência instável com a casa de Maranello. Escrevia à Scuderia, pedindo uma vaga na equipe de fábrica e como resposta recebia uma foto sua, dando uma estampada em algum lugar. Em maio, depois de nova desistência de Luigi Musso (virose), é escalado num dos carros oficiais que participarão da Mille Miglia, uma singular competição de estrada na Itália. A Ferrari tinha o modelo 335-S e contava com Piero Taruffi, Wolfgang Von Trips, Peter Collins e Olivier Gendebien, além de Portago. A Mille Miglia era disputada em estradas nem sempre fechadas ao público. Os carros tinham numeração de três dígitos, de acordo com o horário de saída.


Enzo Ferrari e De Portago.

De Portago prepara-se para largada das MM.

 

Partia da cidade de Brescia e seguia para Roma. Na capital dava meia-volta e retornava para o norte, para Brescia. Dias antes, reunido com seus pilotos, o Comendador provocou: “Não ficarei surpreso se Olivier (Gendebien) terminar na tua frente”, disse ele para de Portago, que não respondeu. Na verdade era mais que uma provocação, pois Gendebien iria correr com uma Ferrari GT, portanto menos potente que as 335-S da categoria principal. 

O espanhol resolveu que daria a resposta na pista e aquela madrugada, largou às 5:31, na companhia do co-piloto Edmund G. Nelson, um velho amigo jornalista. Até Roma tudo foi bem. Chegaram à capital na 5ª posição e encontraram a atriz Linda Christian (apesar do nome anglicizado, era mexicana de nascimento), a grande paixão de Portago. Ele freou perto dela, que foi até o carro e conversaram. O casamento nunca foi motivo para que o marquês e Christian escondessem o namoro. Depois, trocaram um beijo e ele prosseguiu até Bolonha, onde faria os reparos. Lá, uma surpresa desagradável: seus mecânicos descobrem que a suspensão dianteira esquerda está avariada e que seria melhor desistir, porque o carro não agüentaria até Brescia. Fon toma a decisão condizente com o homem sem medo que era: ele ignora e segue em frente. No retorno, não economiza o carro. Ultrapassa Manfredi em Parma e depois Gendebien em Cremona.

Estava na terceira posição, com Taruffi em primeiro e Von Trips em segundo. Collins um dos ingleses queridinhos de Enzo desistira. A ordem final era clara: nada de disputas domésticas. Taruffi deveria vencer, Von Trips seria o segundo e Fon, o terceiro. A idéia de afrontar o velho arrogante desobedecendo-lhe os mandos, devia estar germinando na cabeça de Portago desde aquela reunião de pilotos. Faltando 30 km para a bandeirada, a Ferrari nº 531 aproxima-se da cidadezinha de Guidizzolo e está num trecho de reta, a 220 km/h. Na entrada da cidade, a quebra da suspensão comprometida (ou um pneu estourado) a faz guinar à esquerda, bater num marco de sinalização de quilômetros e levantar vôo. Acerta e derruba um poste telegráfico, que muda sua trajetória e a faz ir parar em cima do público que está assistindo à beira da estrada.

Totalmente destruída, a 335-S vai finalmente parar numa vala à direita da estrada. Muitos feridos, dez mortos, dos quais cinco crianças. Fon de Portago (28) e Eddy Nelson(40) foram jogados fora do carro, depois da batida no poste. Nelson faleceu horas mais tarde e o marquês morreu no ato. No blusão que vestia, havia além de seu passaporte, uma pequena nota, dizendo que era católico e que se algo lhe ocorresse, deveria ser chamado um padre.

Consideradas perigosas tanto para pilotos quanto para o público, as Mille Miglia não foram mais disputadas.

O acidente também custou ao Commendattore um processo de quatro anos, que esvaiu os recursos do time, forçando o início das malogradas negociações de sua venda para a Ford. Enzo Ferrari terminou inocentado.

 

Henrique Mércio  - Caranguejo 


Post original de 16 de agosto de 2010