A VERDADE NÃO SERIA BASTANTE PLAUSÍVEL SE FOSSE FICÇÃO - Richard Bach

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

O CAMPINEIRO VOADOR


O campineiro Benedicto Moreira Lopes, foi um pioneiro do automobilismo nacional e o primeiro piloto brasileiro convidado a correr na Europa. De origem humilde, nascido em 1904, “Dito” Lopes contrariou o desejo dos seus pais, que o queriam um músico e acabou dominando a mecânica de automóveis. Habilidoso, iniciou-se na profissão reformando e revendendo carros após a Revolução Constitucionalista de 1932. Em pouco tempo já possuía a própria oficina e sua destreza ao volante empolgou um de seus clientes, Dante de Bartolomeu, que não só o encorajou a tornar-se piloto como cedeu-lhe um velho Bugatti para suas primeiras corridas. Sua estréia foi um verdadeiro batismo de fogo: inscreveu-se no GP do Rio de Janeiro de 1934, disputado no temido Circuito da Gávea, com todos os seus tipos de piso e curvas diferentes. Com o defasado Bugatti, pouco pode fazer e abandonou na segunda volta, com avarias. Mas entusiasmou-se e retornou no ano seguinte, com um Ford V8 com preparação própria. 

A tragédia de Irineu Correa. Foto histórica do blog Carioca do Rio.
Seu Ford V8 de 1935.

Apesar da corrida ter iniciado com uma tragédia, a morte de Irineu Correa, o Leão de Petrópolis e vencedor da prova de 34, Benedicto Lopes realiza uma grande apresentação, liderando a partir da 6ª volta até a 22ª das 25 voltas da prova. Faltando três voltas para o final, bate no carro do retardatário argentino Felipe Rueda, que estava atravessado na pista. Até hoje conta-se que Rueda deixou-se ficar numa posição perigosa, pois queria tirar o líder da competição e ajudar outro argentino, Ricardo Carú, naquele momento segundo colocado. Porém as primeiras vitórias estavam amadurecendo, e em 1936 vence em Petrópolis; depois, em sua terra Campinas, no Circuito do Chapadão e na Quinta da Boa Vista. 

Estoril 1937.



Nesse mesmo ano conhece a famosa Helle Nice, de quem irá comprar o acidentado Alfa-Romeo 8C, utilizado pela piloto francesa no malogrado Circuito do Jardim América. Dito restaurou o Alfa e até contou com a própria Helle Nice, que enviou-lhe peças da Europa para que pudesse concluir o trabalho. Em 1937, transfere-se com sua família para o Rio de Janeiro, passando a residir em Ipanema. É também quando recebe o convite do Automóvel Clube de Portugal para correr naquele país. Em julho de 1937 corre em Vila Real, onde conclui em terceiro. No mês seguinte, em Estoril, termina na segunda colocação. Em setembro retorna ao Brasil e com a experiência internacional adquirida, vence o GP da São Paulo (Circuito Jardim América) e mais uma vez, é o vitorioso no circuito do Chapadão. 

3º Circuito Internacional do Estoril -Portugal-1937, com a Alfa Romeo 8C Monza foi o segundo colocado.

No dia 12 de maio, participa da inauguração do Autódromo de Interlagos,chegando na quarta posição. A partir daí, segue em atividade até 1954, quase sempre pilotando uma Maserati 4CL 1500. Encerrou sua carreira aos 49 anos. Sua última prova foi no circuito de rua do Maracanã/RJ, chegando em 1º lugar. Sofrendo de úlcera, passou o restante de sua vida na terra natal, Campinas, onde faleceu em 1989.

Carlos Henrique Mércio-Caranguejo



Nossos agradecimentos aos amigos;



terça-feira, 23 de agosto de 2011

Romi-Isetta

O mundo da Internet é realmente fantástico, de repente coisas que se perderam no tempo estão ao nosso alcance em apenas um clique. O que demorávamos horas, dias ou anos pesquisando aparece com uma facilidade absurda diante de nossos olhos. Bem usada, como nós a usamos é um grande instrumento do bem. A contragosto entrei no Facebook apenas para descobrir que é uma ferramenta incrível de aproximação das pessoas e as pessoas que estão em meu Perfil são em sua grande maioria amigas e amigos de longa data. Lá o Nando criou nossa comunidade da Divisão 3 e participo de outras de amigas e amigos, é um mundo! Outro dia recebo um recado que fui marcado em uma foto do Encontro Nacional de Romi-Isettas e fuçando por lá achei um comentário do Eugenio em uma foto que postei no blog das Cestas de Natal Amaral, é a foto de um diretor nosso entregando uma delas a um vendedor premiado.
Eugenio e eu começamos a conversar e trocar informações, na época das Romi-Isetas tinha 4/5 anos e ainda me lembro de várias histórias delas. Aí resolvemos mostrar as fotos aqui para quem sabe com um número muito maior de pessoas vendo pudéssemos ter maiores informações.


          Protótipo construído a partir de uma Romi-Isetta por Silvano Pozzi e Comino pilotada por Neville Hoff. É em Interlagos e alguém saberia mais sobre o carro?
Uma bela imagem delas em Interlagos, logo a frente os atuais Boxes e lá no alto a curva Um.
  No Café.
Um corrida disputada na Base Aérea de Cumbica em Guarulhos, hoje o aeroporto, notem no carro da direita a inscrição TOTEM, pois era um Drive-In na Av Sto Amaro frequentado por muitos pilotos e temos aqui no Histórias um texto onde meu irmão conta como era lá.
Cumbica.

Abaixo duas fotos minhas que deram inicio a nossa conversa.

Uma Isetta nas Mille Miglia de 1955.

Raimundo Hernandes e dois auxiliares entregam o prêmio ao vendedor Wilson Carlos.




Qualquer informação ou foto será muito bem vinda e como sempre todos os créditos serão dados.

FERRARI 458 SPIDER

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

RATO NO BOX

Emerson e a F6 em Interlagos.
Texto; Mario Marcio G. Souto Maior - Cuca

Teste do F6...

  Há algum tempo, que o amigo Rui Amaral me pediu para escrever um texto para o Histórias. Talvez tenha se passado alguns meses, talvez um ano, não importa, o fato é que sentei para escrever sobre o meu grande ídolo Emerson Fittipaldi. Poucas pessoas tem o talento nato de pilotar um carro como o Emerson, segundo seu irmão Wilson, que diz que viu poucos pilotos assim, e cita Graham Hill, Ronnie Peterson, Jackie Stewart e Airton Senna, palavras do Wilsinho. Segundo ele, o que o Emerson leva uma volta para entender o comportamento de um carro, ele, Pace ou Piquet, levariam 30 ou 40 voltas. Que fique claro que o Wilsinho não esta falando em pilotagem e sim em sentimento, pois, qualquer um dos que ele citou mesmo não tendo este sentimento, com certeza são excelente pilotos. Por tanto, o que vou relatar, diz exatamente isso, como um cara como o Emerson, desafiou um carro e deu um veredicto final.
Muito se falam sobre o primeiro teste do Copersucar F6, em 8 de janeiro de 1979, bom, eu estava lá, e o que vou relatar, é o que eu vi, e quero deixar bem claro que eu estava ao lado do Wilsinho pois era uma rato de box, e com certeza ele nem sabia quem eu era.

O dia amanheceu bonito, fui para Interlagos sozinho e de ônibus, entrei pelo antigo portão 3, um funcionário me indicou o caminho das arquibancadas, agradeci, e lógico, fui pelo túnel até os boxes. O F6 estava lá, Darci,  Ricardo Divilla e alguns mecânicos mexiam nele. Foi o tempo de eu observar como era belo e bem feito o F6, fiquei orgulhoso de ser brasileiro, como sou até hoje.
Alguns minutos se passaram e Wilsinho e Emerson chegam num BMW branco. Era um BMW cheio de aerofólios, abas e na minha modesta opinião, feio "pra carai", nunca achei aquilo bonito, mas enfim, era o carro do Wilson Fittipaldi. O Emerson já estava de macacão, depois de uns 15 ou 20 minutos, com um largo sorriso, entrou no carro, falou com o Wilson e combinou três voltas lentas e uma parada no box  para uma revisão no estado do carro.

Ao lado de Emerson o Ricardo Divila e lá atrás certamente uma daquelas cabeças é a do Cuca.

Emerson foi para a pista e fez a primeira volta pelo anel externo, bem lentamente. Passou na frente dos box, a uns 150, 160 km/h, entrou na curva "Um" sem frear e um enorme barulho de pneus cantando tomou conta do autódromo, ai começou o drama. Wilsinho gritou:
-Ele rodou...
Eu estava ao seu lado e disse:
-Não, ele esta entrando na "Dois"...
Emerson deixou o carro rolar na "Dois", "embicou" o F6 no retão e acelerou a barata a fundo.
Aqui, vale um adendo: o F6 tinha uma particularidade, os escapamentos virados para a frente do carro e saiam na lateral do F6, isso dava um ronco muito característico ao F6, pois o som saía pelas laterais e batia nos guard rails e produzia um som muito alto e embolado, que o Emerson depois disse não gostar, e não era para gostar mesmo, pois o som não era bonito, era assustador, fazia o autódromo parecer pequeno.
Enfim, o Emerson acelerou e fez a "Três" e "Quatro".  A esta altura, o Wilsinho, eu e um monte de gente já estávamos na grade do "Laranja". O Emerson saiu da quatro e desacelerou. e "chacoalhou" o caro de um lado para ou outro e enfiou o pé no acelerador novamente, rumo a "Ferradura". O Wilsinho já perguntava em voz alta:
-O que ele esta fazendo ? Tem alguma coisa errada...
Emerson veio pela reta que antecede a "Ferradurra" rápido e mandou o F6 para dentro.
Chego a me arrepiar quando lembro...O carro chimava, gritava os pneus, e o Rato segurando o bicho com um cavalo bravo... Fez a "Ferradura", e novamente desacelerou, mais uma vez,"chacoalhou" o F6 e pé em baixo. Subiu o “Lago“, "Reta Oposta", "Sol" e "Sargento" e a bota em baixo, urrando ele passou pelo "Laranja", o F6 parecia um Kart saindo nas quatro rodas. Wilsinho de boca aberta só disse:
-Que é isso...
Emerson freiou forte na entrada do "S" e fez o "Pinheirnhho", "Bico de Pato" e "Mergulho" muito devagar. O Wilsinho disse já se mexendo para voltar para o boxes.
-Ele vai parar...
Enquanto caminhávamos para os box, ouvimos o assustador ronco do F6, corremos em direção a mureta dos boxes, quando chegamos, Emerson vinha saindo do "Café" de pé em baixo. Foi o tempo de debruçar na mureta e o F6 passar num pau...Wilsinho colocou a mão na cabeça e gritou:
-Ele é louco, ta querendo se matar...
O F6 entrou na curva "Um", chimando e reclamando,fez a "Dois", "Retão", e nós, mais uma vez corremos para  a grade do "Laranja".

O que posso dizer, é que o F6 virou um Kart na mão do Emerson. Ele veio em direção a "Ferradura", numa tomada muito "doida", e mandou fundo, o F6, malcriadamente, jogou a traseira, Emerson só deu um toque no volante, e fez a "Ferradura" em uma espetacular derrapagem controlada, com se estivesse andando num carrossel...Nunca, na minha vida, vou esquecer da posição das mão do Emerson, tranquilas e firme...somente segurando o volante com toda a "finesse" que lhe era característica. Bom, o F6 subiu o lago,"Reta oposta", "Sargento" e passou diante dos meus olhos no "Laranja", saindo nas quatro, como se costuma dizer, mas totalmente na mão do "Rato". Ai aconteceu algo inesperado. Ouvi muita gente gritando,: "Sai,sai,sai". Quando olhei, vi que um desavisado jardineiro, estava atravessando a pista logo após a curva do "Café". Wilsinho estava tão concentrado no irmão, que nem percebeu o que estava acontece. Para piorar, o cara parou no meio da pista e ficou a perguntar o que estava acontecendo. Felizmente, um bombeiro foi lá e o retirou da pista, mas até hoje me pergunto, o porque teria um cara tão desavisado, num dia de teste de um F1, com aquele enorme barulho, entrar com um trator no meio da pista ?


O Emerson vinha acelerando até a entrada do boxes, onde deu um violenta freada, o que fez a carenagem do F6 voar longe...Entrou no box e parou no meio da pista. Cabeça baixa, tirou as luvas, desafivelou o capacete, e olhou fixamente para o irmão, que tinha acabado de sentar no pneu dianteiro do lado esquerdo. Com o dedo indicativo, Emerson fez um sinal de "vem aqui" para o  Ralph Bellamy  e disse:
-Tem algo de muito errado neste carro, ele não faz curvas, quase me jogou em cima do muro na primeira volta.
 Ralph Bellamy , perdeu uma ótima oportunidade de ficar calado, e disse que o problema era o Emerson que não sabia pilotar um "carro asa".
Neste momento, meus amigos, a coisa descambou um pouco, mas o que vi, foi o Emerson, calmamente, soltar o cinto de segurança, descer do carro e colocar a mão no ombro do  Ralph Bellamy , mas não numa atitude agressiva, o que eu acho é que o Ralf se assustou e foi andando para trás, até encostar na parede, ai sim, com dedo em riste, o Emerson falou:
-Nunca mais diga que eu não sei pilotar um formula 1, Respeite ao menos meu bicampeonato.
O mais incrível, é que isto aconteceu em dez  ou vinte segundos, e que o Wilsinho partiu para cima do Ralf, e o Emerson que fez  "deixa disso..."
Passado isso, Reginaldo Leme vai entrevistar o Emerson.
RL
-Emerson, dá para pensar em vitórias este ano.
EF
-Olha, foi só um teste para ver se estava tudo bem com o carro, eu não conheço o carro, o carro também não me conhece, mas vamos ver, vamos tentar.
Emerson pula para dentro do box, eu rato que era pulo atrás e me escondo atrás de uns pneus empilhados. Logo chega o Wilson e baixa a porta dos boxes, não sei para que, pois eles eram totalmente vazadas. Olha pro Emerson, e com um pontinha de esperança pergunta:
- E ai ?
Emerson responde:
-Não anda e não vai andar nunca, jogamos três milhões de Dólares no lixo, o carro parece uma banana assada de tanto que torce quando tenta fazer curva...
Lembro bem do Wilsinho passar a mão entre os cabelos e perguntar:
-E agora ?
Emerson responde:
-Agora, você leva tudo embora que eu não piloto mais esta encrenca.
De macacão, Emerson deixa os box pela parte de trás, entra na BMW do Wilsinho e sai acelerando...Wilsinho com as mãos nas cadeiras, lentamente move a cabeça e olha fixamente para mim. EU não estava lá, ele não me viu, tinha coisas mais preocupante a pensar. Barulho da porta e entra Divilla no box:
-Cadê o Emerson?
WF
-Foi embora...
Wilsinho, lentamente um movimento de meia volta e para....
-Porra, ele foi com o meu carro....

Cuca

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Conheci o Cuca no ano de 1972. Com 19 anos para tentar seguir carreira sem o apoio de meus pais fui trabalhar com o Expedito Marazzi. O Cuca uns 9 anos mais novo era e é amigo do Gabriel, filho do Expedito  e os dois ficavam por lá nos perturbando, sentavam nos carros, faziam mil perguntas enfim verdadeiros Ratos de Box.
Obrigado meu amigo Cuca e um abração 


Rui

Fotos; Quatro Rodas, a reportagem na QR Digital de Fevereiro de 1979.