"Se considerarmos que esse cidadão lida com mecânica de motocicletas há nada menos que 53 anos, período durante o qual foi mecânico, preparador e piloto, podemos afirmar tranquilamente que ele - Danilo Julio Afornali, curitibano do Bigorrilho, sete vezes Campeão Paranaense de Motociclismo entre 1959 e 1971 - é um "Doutor em Motos". Quem visita sua "clínica de motores", agora no bairro de Santa Felicidade, pode notar, nas paredes, as marcas da sua trajetória motociclística em forma de troféus, diplomas, certificados e fotografias de corridas esquecidas no tempo e, no seu peito e braços, as marcas deixadas por um cabo de aço, fruto de acidente. Lá está ele, cigarro pendendo dos lábios, trabalhando ainda com as motos.
Filho de Paschoal e Lucietta Gans Afornali, Danilo começou a lidar com motocicletas em 1950, com 15 anos de idade, quando seu pai adquiriu uma CZ deste mesmo ano. "Minha primeira corrida de moto - conta Danilo - foi na pista de terra do Itaim, na cidade de JoinvillejSC, com uma CZ pertencente ao curitibano Boguslavo Sunn e preparada por nós dois no porão da casa onde ele moravá. Fiz terceiro lugar depois que a bóia do reservatório de gasolina do carburador furou. Era difícil ganhar dos catarinenses naquela pista, mas, fiquei animado com o resultado obtido e comecei a acreditar em mim mesmo."
Quem não se lembra da pista oval de corrida de cavalos do Jockey Club no bairro do Prado Velho, que depois foi transformada em pista de corrida de motos, em Curitiba? Numa corrida ali, com uma BSA 500 Twin pertencente a Manoel de Alencar Guimarães (Noel), Danilo fez segundo lugar, chegando em primeiro Ferdinando Batschoven, com uma Triumph 500. Na pista de Interlagos, em São PaulojSP, em 1971, Danilo participou das 500 Milhas com uma Ducatti 350, fazendo quinto lugar.
Ainda em Interlagos, na saudosa época das corridas de lambretas (reunindo marcas tais como Lambretta, Vespa, Iso) Danilo participou de uma prova com duas horas de duração, pelo antigo traçado de 8 quilometros de distância. Sua lambreta, carenada, havia pertencido aos famosos irmãos Gualtiero e Paolo Tognochi, tidos como os maiores cobras brasileiros da época no preparo dessas máquinas de 150cc. Danilo saiu na frente de mais de 30 competidores e assim permaneceu até quase o final da corrida, quando, no final da grande reta oposta de Interlagos, furou um pneu e levou um tombo, desistindo.
É bom lembrar que essa lambreta, com rodas, chassi, tanque de combustível, tudo feito em São Paulo/SP, foi recordista de velocidade na pista de Interlagos/SP. Com ela, Gualtiero Tognochi venceu a inesquecível corrida de lambretas entre Curitiba e Ponta Grossa.
O preparo de máquinas para outros pilotos, entre eles Ubiratan Rios, que foi duas vezes Campeão Brasileiro de Motociclismo e uma vice-campeão, sempre foi uma especialidade de Danilo. Em 1982, preparou uma Yamaha TZ 350 (máquina do então campeonato mundial de motociclismo categoria 350) para Bira correr e foi com ele à Argentina participar de prova do mundial. Fizeram nono lugar entre 33 pilotos e Bira terminou a prova com a embreagem danificada.
"A corrida que lembro com mais saudade e emoção - fala Danilo - foi aquela em que, pela primeira vez, um paranaense conseguiu vencer os catarinenses na pista do Itaim, em Joinville. Eles eram imbatíveis lá. Foi em 1962, quando preparei e pilotei uma HRD Vincent 1000cc."
Danilo sempre participou de grandes provas. Em 1976, juntamente com Ubiratan Rios, o conhecido Az do Motociclismo brasileiro Bira, colocou na pista de terra de Joinville uma Yamaha RS 125cc com kit de competição, participando de uma prova de 6 horas de duração. "Fizeram uma sacanagem para nós - conta ele - pois, até 10 minutos antes do término da prova estávamos em primeiro lugar. Daí para a frente os fiscais de pista "se perderam" na contagem das voltas e acabaram por nos classificar em terceiro lugar, dando o segundo ao catarinense Lucílio Baumer, que não aceitou, dizendo que só aceitaria se eu e Bira fossemos considerados os vencedores. " Essa foi a sua derradeira corrida .
Praticamente todas as máquinas antigas existentes no Brasil passaram pelas mãos de Danilo: Ducatti, HRD, Triumph, BSA, Indian, CZ e outras. Como todo verdadeiro motociclista tem uma história triste para contar, Danilo também tem a sua. Em 1967, no Dia das Mães, pegou sua HRD Vincent 1000cc bicilíndrica e foi dar uma volta na Rodovia do Café. Pouco antes do Parque Barigui, em frente a um posto de combustível, notou um caminhão FNM da cidade de Toledo/PR de um lado da pista e outro no pátio do posto. Diminuiu um pouco a velocidade e foi se aproximando, pensando que um caminhão deveria estar manobrando para entrar no pátio do posto e que o outro estava saindo do estabelecimento. No entanto, vendo que os caminhões não se movimentavam, achou que os motoristas dos veículos estavam esperando que ele passasse. Acelerou novamente a HRD e quando praticamente não havia tempo para mais nada, apavoradamente viu que havia um cabo de aço esticado por sobre a pista, unindo os caminhões. "Meu único reflexo foi cortar o acelerador. O cabo atingiu-me no peito e braços e por milagre não subiu, pois, caso contrário eu teria sido degolado. Fui arremessado a distância e a motocicleta seguiu em frente desgovemada, tombando de lado na altura da ponte do rio Barigui. Hospitalizado, Danilo recuperou-se mas, as marcas do acidente ele as carrega até hoje.
Sua primeira oficina mecânica foi montada em 1958, no Bigorrilho, num terreno próximo onde hoje está a Igreja dos Passarinhos. Embora tenha boas lembranças do seu tempo de piloto, Danilo diz que o seu trabalho como mecânico profissional de motocicletas não proporcionou muita compensação. "Um piloto de motos tem que gostar mesmo do metier e ter coragem. Pilotar motocicleta não é para qualquer um".
Casado com a senhora Marisa Rangel Afomalli, Danilo tem três filhos: Marco Aurélio, Marcia Regina e Marcelo Eduardo. Ele é, na verdade, além de famoso preparador de motores de competição, um dos mais importantes pilotos de motocicleta, ao lado de Ubiratan Rios e Nivanor Benardi, que o Paraná já teve. Seu nome está marcado com destaque numa página do livro que conta a história do motociclismo de competição brasileiro. " Ari Moro
Dos exemplares do jornal "CHEIRO DE CANO DE ESCAPE" que o jornalista Ari Moro me presenteou , retiro várias pérolas escritas por ele . Ari que escreve sôbre automobilismo , motociclismo , aviação etc etc sempre com a mesma emoção e personalidade . Leio e releio sempre seus artigos , tentando tirar proveito de suas verdadeiras aulas de jornalismo .
"CHEIRO DE CANO DE ESCAPE" nº 07 Agosto de 2003
Obrigado Ari e um abraço .