AUTÓDROMO DE -INTERLAGOS
– UM PATRIMÔNIO BRASILEIRO
Este texto tem por objetivo
demonstrar a conveniência e a necessidade da preservação do Autódromo de
Interlagos como Patrimônio Ambiental, integrado à preservação já incidente
sobre a área do bairro residencial de Interlagos, objeto da Resolução CONPRESP
18/2004, de 23/11/2004, pelo seu valor ambiental, paisagístico, histórico e
turístico, bem como à preservação legal incidente sobre as áreas de mananciais
do Estado de São Paulo.
Diretamente relacionada à
atividade exercida no Autódromo de Interlagos foi feita a solicitação ao
CONPRESP de registro como bem imaterial da prática de automobilismo a ele
associada, atualmente em exame.
Bens materiais foram objeto de
tombamento pelo CONPRESP na área de influência do Autódromo, como o conjunto de
edifícios do antigo Santa Paula Iateclube, pela Resolução CONPRESP 03/2007, que
inclui a Garagem de Barcos, obra icônica projetada por João Batista Vilanova
Artigas e Carlos Cascaldi.
DA IMPORTÂNCIA DA PRESERVAÇÃO DE AUTÓDROMOS DE PROJEÇÃO INTERNACIONAL
Diversos autódromos consolidaram-se
como importantes focos de referência e significado turístico e econômico de
nível internacional, como os de Indianápolis, Silverstone, Monza, Nürburgring entre
outros. Estes autódromos, além de sediarem eventos esportivos importantes,
abrigam atrativos de natureza diversificada, como museus dedicados à memória e
manutenção de seu significado cultural, instalações e equipamentos com
atividade econômica expressiva, ou estão integrados a parques e equipamentos abertos
à população.
O conjunto de Indianápolis, nos
Estados Unidos, o autódromo importante mais antigo do mundo em atividade, cuja
construção teve início em 1909[1],
e teve a primeira prova de relevo, a 500 Milhas de Indianápolis, em 1911, é
objeto de tombamento nacional – designada como National Historic Landmark [2]–
desde 1987, dele fazendo parte o International Motor Speedway Museum[3],
cujo acervo inclui elevada qualidade e quantidade de veículos, ligados ou não
diretamente ao autódromo. Nos Estados Unidos o automobilismo é o segundo
esporte mais popular e a prova das 500 milhas de Indianápolis o evento no mundo
que reúne regularmente o maior público em um só dia – cerca de 300.000 pessoas.
O conjunto de Silverstone, na
Inglaterra, cuja implantação teve início em 1948 em um dos muitos campos de
aviação da Segunda Guerra Mundial, teve sua primeira prova de Grand Prix, a
categoria que antecedeu a Fórmula I, em outubro daquele ano, organizada pelo
RAC –Royal Automobile Club. Ao longo dos anos se consolidou como o principal
autódromo do Reino Unido, palco de inúmeros eventos de automobilismo e
motociclismo, da primavera ao outono, e como importante local de testes e
treinos da indústria automobilística. Mas o autódromo histórico mais importante
do Reino Unido é, sem dúvida alguma, o de Brooklands [4],
localizado em Surrey, na Inglaterra, próximo a Weybridge. Foi inaugurado em
1907, sendo o primeiro circuito para corridas de veículos a motor construído
com essa finalidade. Desde o início o autódromo compartilhou a área com
atividades ligadas à aeronáutica, de campo de pouso a galpões para abrigo e
manutenção de aeroplanos, escola de pilotagem e instalações para a fabricação
de aeronaves a partir de 1913. Por volta de 1918 havia se tornado o maior
centro da indústria aeronáutica britânica. Durante o período da 1ª Guerra
Mundial as atividades de corrida foram suspensas. Entre 1920 e 1939, no
Circuito de Brooklands foram disputadas inúmeras provas de Grand Prix, de
motociclismo e de ciclismo e realizadas disputas por recordes mundiais de
velocidade. Durante a 2ª Guerra Mundial as corridas foram suspensas e a área
foi, inclusive, bombardeada, sendo um alvo importante devido às instalações aeronáuticas.
No pós-guerra o circuito estava abandonado e a área foi vendida à
Vickers-Armstrong para sediar instalações industriais, interligadas ao campo de
pouso. Uma parte das suas pistas elevadas foi demolida e o circuito não foi
recomposto. Em 1987 foi constituído o Brooklands Museum Trust[5],
uma entidade jurídica não lucrativa formada para administrar recursos voltados
à manutenção e preservação do conjunto remanescente do circuito e o Museu
criado com acervo de veículos e objetos ligados à sua história, bem como de
toda a atividade aeronáutica que ali teve lugar. Os remanescentes do Circuito
de Brooklands, do aeródromo anterior à Segunda Grande Guerra, da torre de
canhões antiaéreos Bofors e respectivos abrigos e o Memorial Brooklands são
monumentos nacionais identificados (Scheduled Monuments) e os hangares e as edificações
ocupados pelo Brooklands Museum, The
Club House, Bellman Hangar, The Members Hill Restaurant, são listados pelo
órgão nacional de preservação Historic England no Grau II como bens culturais
preservados[6]
O Autódromo de Monza está
integrado a um grande parque público aberto à visitação – o Parco di Monza –
instituído em 1805 por iniciativa de Napoleão Bonaparte com a intenção de criar
um estabelecimento agrícola modelo e uma reserva de caça[7].
O Autódromo, cuja construção foi decidida em janeiro de 1922, teve a pista inaugurada
em julho do mesmo ano[8],
sendo o quarto circuito construído para competições de velocidade, após
Brooklands, Indianápolis e Berlim, de 1921. Desde a sua
inauguração até 1940 a atividade automobilística no circuito foi ininterrupta.
Em 1948 o Automobile Club Milano assumiu a recuperação do Autódromo, que no
mesmo ano já recebeu provas de automobilismo e motociclismo, que se sucedem até
hoje. O Parque de Monza, os seus jardins e o Palácio da Villa Real constituem
bens culturais elegíveis a Patrimônio Mundial pela UNESCO, mas questões ligadas
à operação e presença do autódromo e de uma área de uso reservado à prática de
golfe impediram a sua efetivação. A integração do autódromo e suas atividades
como bens culturais foi aceita no meio cultural, tendo como base disposição
básica elaborada em Plano Regulador Geral, em 1997, por Leonardo Benevolo,
estando prevista a demolição de cerca de 90% das curvas elevadas construídas em
1955, mas interesses financeiros acabaram travando esse desenvolvimento[9].
O Circuito de Nürburgring foi projetado
a partir de 1925 e inaugurado em 1927, com três objetivos: servir de pista de
testes para a indústria automobilística, realizar provas diversas, de Grand
Prix e outras categorias e permitir acesso público a uma pista de velocidade. Até
1940 a pista sediou corridas em seus cerca de 23 km de pista. Foi reaberta em
1948[10],
voltando a ser palco do Grande Prêmio da Alemanha em 1951, até 1976, quando foi
transferido para Hockenheim, por razões de segurança ligadas ao seu extenso
traçado. Em 1985 a Fórmula 1 retornou a Nürburgring, em um traçado reduzido a cerca
de 5km, o que se repetiu em 2009, 2011 e 2013. O conjunto continua em uso para
competições e disponível para acesso pago às pistas pelo público.
O circuito alemão mais antigo é o
de AVUS, em Berlim, abreviatura de Automobil-Verkehrs-und ÜbungsStrasse (Via
para tráfego automotivo e treinamento), concebido em 1907, mas só inaugurado em
1921. O seu traçado era constituído por duas longas pistas paralelas ligadas
por curvas nas duas extremidades. As pistas paralelas fazem parte de uma
Autobahn e as curvas de ligação, não, assim como as edificações de torre de
controle, tribunas e alguns galpões. Na inauguração o traçado tinha 19,5 km de
extensão, com cada pista reta tendo aproximadamente 9 km. As altas velocidades
alcançadas nas retas tornavam o circuito muito perigoso, uma das razões para o
predomínio de realização de provas importantes em Nürburgring. A curva do lado
Norte foi reconstruída em 1936 com uma inclinação superior a 40°, o que
permitia manter altíssimas velocidades, levando a enormes exigências sobre o
conjunto mecânico-humano. Em 1938 as competições em AVUS foram suspensas, sendo
retomadas em 1951, com o traçado reduzido para 8,3 km. Em 1959 ocorreu ali uma
única prova de Fórmula 1. Em 1995 foi realizada a última competição
automobilística em AVUS [11].
Na França, os mais antigos circuitos
são os de Montlhéry e de Le Mans. O de Le Mans[12],
localizado a cerca de 40 quilômetros ao Sul de Paris, tem sua história e
atração ligadas à disputa das provas de 24 Horas, ali disputadas desde 1923, suspensas
entre 1940 e 1948. O autódromo de Le Mans é, na realidade, restrito a dois
circuitos permanentes, conhecidos como Circuito Bugatti, concluído em 1965, com
cerca de 4,2 km e Maison Blanche, concluído em 1976, que permite cinco opções
de traçados diferentes, de menores dimensões. O Circuito principal, onde se
disputam as provas automobilísticas de 24 Horas, é conhecido como La Sarthe,
com cerca de 13,6 km, e ocupa estradas locais que são fechadas ao tráfego
normal temporariamente. O Circuito Bugatti recebeu uma prova de Fórmula I, o
Grande Prêmio da França de 1967.
O Circuito de Montlhéry[13],
a 24 km de Paris, foi inaugurado em 1924, sendo, portanto, o quinto autódromo
permanente construído no mundo, se considerarmos AVUS como instalação
permanente. Trata-se de um circuito oval com duas grandes curvas com pista
sobre-elevada unidas por retas de 180 metros, tendo no total cerca de 2,5 km.
Foi utilizada pelas fábricas de automóveis e revistas automotivas para testes,
por competidores de recordes de velocidade e também para competições, desde
1925 até 1939. Após a guerra, o circuito foi reaberto em 1949 para as
atividades de testes e, ocasionalmente, para competições, até ficar evidente
que suas características eram incompatíveis com as velocidades dos carros de
competição, na década de 1960.
DA IMPORTÂNCIA DA PRESERVAÇÃO DAS QUALIDADES ÚNICAS E INIGUALÁVEIS DE
INTERLAGOS
1- EM
TERMOS DO AUTOMOBILISMO DE COMPETIÇÃO
O circuito de Interlagos
apresenta um traçado com uma variedade excepcional de situações de pista que é
essencial para o automobilismo de competição: curvas de raios grandes e raios
pequenos, curvas de raio constante e de raio variável, curvas de alta, média e
de alta velocidade, curvas verticais com subidas e descidas em todo o circuito,
pontos de ultrapassagem. A tal ponto que é considerado, pelos pilotos que ali
atuaram, uma verdadeira aula de aprendizado de pilotagem, responsável pela
formação de gerações de pilotos.
2- EM
TERMOS DE ESPETÁCULO PARA O PÚBLICO
A topografia da implantação do
autódromo permitiu algo excepcional como participação do público: a
possibilidade de visualizar não apenas um trecho de pista próximo ao
espectador, mas quase todo o conjunto de pistas. A visão a curta, média e longa
distância permite, de quase todos os pontos do autódromo, acompanhar a evolução
de uma competição na íntegra, as ultrapassagens, as acelerações e frenagens, ou
seja, todas as emoções presentes em uma competição.
Estas qualidades são importantes
para o público presente ao autódromo e para o público que acompanha pela
televisão, de vez que o autódromo é razoavelmente compacto, permitindo um
televisionamento de acompanhamento muito eficaz.
3- EM
TERMOS DE SEGURANÇA PARA OS PILOTOS
Ao longo do tempo, o autódromo
foi sendo muito aperfeiçoado no que se refere à segurança, com a abertura de
áreas de escape seguras e de pistas auxiliares para o deslocamento de veículos
de assistência em casos de atendimento a acidentes durante as competições.
Fazendo um balanço comparativo
com os grandes autódromos internacionais, percebe-se a importância da
conjugação das qualidades de Interlagos, proporcionadas pelo seu sítio natural
e pela feliz concepção original. Grande parte dos autódromos foi implantada em
áreas planas, como antigos campos de pouso, que não possibilitam uma visão de
conjunto e nem as variações de subidas e descidas. É o caso de Silverstone ou
Brooklands. Outros, estão situados em áreas rurais de topografia variada,
portanto com subidas e descidas acentuadas, como Spa-Francorchamps e
Nürburgring, mas que não ensejam um domínio visual do conjunto da pista como
acontece em Interlagos. Muitos foram construídos em áreas planas e desérticas,
como as pistas mais recentes do Oriente Médio, que foram projetadas e
construídas com a intenção de possibilitar visão de conjunto, como de Abu
Dhabi, Dubai, Qatar.
Como local para o espetáculo de
competições Interlagos não comporta, por exemplo, o público que comparece às
provas das 500 milhas de Indianápolis, que pode ultrapassar os 300.000
espectadores, criando uma atmosfera similar a um grande estádio de futebol
repleto para uma final de campeonato, algo inesquecível. Mas a visão das pistas
em Interlagos é muito maior do que a possível em Indianápolis.
DA QUALIFICAÇÃO DA
ÁREA DO AUTÓDROMO DE INTERLAGOS PARA O TOMBAMENTO AMBIENTAL
O Autódromo de Interlagos ocupa
uma área significativa, quase equivalente à área do Parque do Ibirapuera, que
está localizada entre os reservatórios Billings e Guarapiranga. Apenas uma
pequena parte dessa área está ocupada com construções ou se encontra
impermeabilizada. Em sua maior parte está desocupada e é permeável. É vizinho à
área do loteamento Interlagos, residencial, objeto do tombamento ambiental
estabelecido pela Resolução 18/CONPRESP/2004 e, com essa área contígua, integra
a área urbanizada pelo Engenheiro Louis Romero Sanson com projeto apresentado
em 1926.
Por ocupar uma área em bacia, é
separado do loteamento residencial pelo espigão da Avenida Interlagos, o que
significa que o som direto produzido pela atividade automobilística não atinge
aquele bairro.
A atividade automobilística do
Autódromo de Interlagos é objeto de um pedido de sua classificação como
Patrimônio Imaterial, submetido ao CONPRESP. Consideramos que não se aplica ao
Autódromo o seu tombamento como bem material isolado, devido ao fato de que não
há ali construções de interesse arquitetônico ou histórico que justifiquem a
sua preservação. O que justifica a sua preservação é o conjunto:
1- o
seu traçado de pistas integrado à topografia;
2- a
ampla e excepcional visibilidade proporcionada pela sua disposição;
3- a
importância histórica e de memória de toda a atividade automobilística já
ocorrida em Interlagos desde sua inauguração em 1940, expressiva em termos não
apenas municipais ou estaduais como nacionais e internacionais;
4- a
sua integração ao tombamento ambiental do bairro contíguo e residencial de
Interlagos;
5- a
sua localização e relação com os reservatórios mananciais de Guarapiranga e
Billings;
6- a
sua baixa ocupação atual.
A eventual ocupação da área do
Autódromo de Interlagos com prédios, residenciais ou comerciais, representaria
um grande retrocesso na qualidade ambiental de toda a área do Autódromo e sua
região envoltória, com consequências em toda a área metropolitana. Mencionando
manifestação recente do Professor Cândido Malta Campos Filho, é impossível
autorizar ou promover a construção de mais e mais prédios, Qual é a resiliência dos mananciais
em receber mais e mais edificações? O conceito de resiliência se aplica
perfeitamente a essa especialíssima região. À medida que novos loteamentos são
abertos e mais edificações vão impermeabilizando o solo, menor se torna a
absorção das águas de chuva pelo solo, recarregando o lençol freático. Soma-se
o prejuízo da poluição difusa que os esgotos não são capazes de retirar, a
qual, somada ao assoreamento que a abertura de ruas e lotes produz, que reduz
progressivamente a capacidade de diluição dessa mesma poluição difusa, aponta
para a perda total desses mananciais da Billings e Guarapiranga: os principais
da metrópole. E o adensamento na região de Interlagos, na boca de entrada da
região, estimulará de vez essa ocupação urbana predadora ambiental, que levará
à perda irreversível desses mesmos mananciais. Não apenas como a cada vez mais
escassa água potável metropolitana, mas também com a maior área de lazer com
muito verde e grandes lagos de nossa metrópole, uma das maiores do planeta.
Manter Interlagos, amplo e horizontal, com um máximo de verde e pequenos lagos
em seu interior, sim.
Transformá-lo em Interprédios, nunca.
José Eduardo de Assis LefèvreTransformá-lo em Interprédios, nunca.
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Acabei de conversar com o Professos Lefèvre, o pedido de tombamento já foi entregue no COMPRESP, CONDEPHAT, aliás ele estava no elevador quando me deu a noticia...agora mais que nunca precisamos do apoio de todos!
Com Chico Lameirão, Roberto Zullino...
Rui Amaral Jr