Emerson e a F6 em Interlagos.
Texto; Mario Marcio G. Souto Maior - Cuca
Teste do F6...
Há algum tempo, que o amigo Rui Amaral me pediu para escrever um texto para o Histórias. Talvez tenha se passado alguns meses, talvez um ano, não importa, o fato é que sentei para escrever sobre o meu grande ídolo Emerson Fittipaldi. Poucas pessoas tem o talento nato de pilotar um carro como o Emerson, segundo seu irmão Wilson, que diz que viu poucos pilotos assim, e cita Graham Hill, Ronnie Peterson, Jackie Stewart e Airton Senna, palavras do Wilsinho. Segundo ele, o que o Emerson leva uma volta para entender o comportamento de um carro, ele, Pace ou Piquet, levariam 30 ou 40 voltas. Que fique claro que o Wilsinho não esta falando em pilotagem e sim em sentimento, pois, qualquer um dos que ele citou mesmo não tendo este sentimento, com certeza são excelente pilotos. Por tanto, o que vou relatar, diz exatamente isso, como um cara como o Emerson, desafiou um carro e deu um veredicto final.
Muito se falam sobre o primeiro teste do Copersucar F6, em 8 de janeiro de 1979, bom, eu estava lá, e o que vou relatar, é o que eu vi, e quero deixar bem claro que eu estava ao lado do Wilsinho pois era uma rato de box, e com certeza ele nem sabia quem eu era.
O dia amanheceu bonito, fui para Interlagos sozinho e de ônibus, entrei pelo antigo portão 3, um funcionário me indicou o caminho das arquibancadas, agradeci, e lógico, fui pelo túnel até os boxes. O F6 estava lá, Darci, Ricardo Divilla e alguns mecânicos mexiam nele. Foi o tempo de eu observar como era belo e bem feito o F6, fiquei orgulhoso de ser brasileiro, como sou até hoje.
Alguns minutos se passaram e Wilsinho e Emerson chegam num BMW branco. Era um BMW cheio de aerofólios, abas e na minha modesta opinião, feio "pra carai", nunca achei aquilo bonito, mas enfim, era o carro do Wilson Fittipaldi. O Emerson já estava de macacão, depois de uns 15 ou 20 minutos, com um largo sorriso, entrou no carro, falou com o Wilson e combinou três voltas lentas e uma parada no box para uma revisão no estado do carro.
Ao lado de Emerson o Ricardo Divila e lá atrás certamente uma daquelas cabeças é a do Cuca.
Emerson foi para a pista e fez a primeira volta pelo anel externo, bem lentamente. Passou na frente dos box, a uns 150, 160 km/h, entrou na curva "Um" sem frear e um enorme barulho de pneus cantando tomou conta do autódromo, ai começou o drama. Wilsinho gritou:
-Ele rodou...
Eu estava ao seu lado e disse:
-Não, ele esta entrando na "Dois"...
Emerson deixou o carro rolar na "Dois", "embicou" o F6 no retão e acelerou a barata a fundo.
Aqui, vale um adendo: o F6 tinha uma particularidade, os escapamentos virados para a frente do carro e saiam na lateral do F6, isso dava um ronco muito característico ao F6, pois o som saía pelas laterais e batia nos guard rails e produzia um som muito alto e embolado, que o Emerson depois disse não gostar, e não era para gostar mesmo, pois o som não era bonito, era assustador, fazia o autódromo parecer pequeno.
Enfim, o Emerson acelerou e fez a "Três" e "Quatro". A esta altura, o Wilsinho, eu e um monte de gente já estávamos na grade do "Laranja". O Emerson saiu da quatro e desacelerou. e "chacoalhou" o caro de um lado para ou outro e enfiou o pé no acelerador novamente, rumo a "Ferradura". O Wilsinho já perguntava em voz alta:
-O que ele esta fazendo ? Tem alguma coisa errada...
Emerson veio pela reta que antecede a "Ferradurra" rápido e mandou o F6 para dentro.
Chego a me arrepiar quando lembro...O carro chimava, gritava os pneus, e o Rato segurando o bicho com um cavalo bravo... Fez a "Ferradura", e novamente desacelerou, mais uma vez,"chacoalhou" o F6 e pé em baixo. Subiu o “Lago“, "Reta Oposta", "Sol" e "Sargento" e a bota em baixo, urrando ele passou pelo "Laranja", o F6 parecia um Kart saindo nas quatro rodas. Wilsinho de boca aberta só disse:
-Que é isso...
Emerson freiou forte na entrada do "S" e fez o "Pinheirnhho", "Bico de Pato" e "Mergulho" muito devagar. O Wilsinho disse já se mexendo para voltar para o boxes.
-Ele vai parar...
Enquanto caminhávamos para os box, ouvimos o assustador ronco do F6, corremos em direção a mureta dos boxes, quando chegamos, Emerson vinha saindo do "Café" de pé em baixo. Foi o tempo de debruçar na mureta e o F6 passar num pau...Wilsinho colocou a mão na cabeça e gritou:
-Ele é louco, ta querendo se matar...
O F6 entrou na curva "Um", chimando e reclamando,fez a "Dois", "Retão", e nós, mais uma vez corremos para a grade do "Laranja".
O que posso dizer, é que o F6 virou um Kart na mão do Emerson. Ele veio em direção a "Ferradura", numa tomada muito "doida", e mandou fundo, o F6, malcriadamente, jogou a traseira, Emerson só deu um toque no volante, e fez a "Ferradura" em uma espetacular derrapagem controlada, com se estivesse andando num carrossel...Nunca, na minha vida, vou esquecer da posição das mão do Emerson, tranquilas e firme...somente segurando o volante com toda a "finesse" que lhe era característica. Bom, o F6 subiu o lago,"Reta oposta", "Sargento" e passou diante dos meus olhos no "Laranja", saindo nas quatro, como se costuma dizer, mas totalmente na mão do "Rato". Ai aconteceu algo inesperado. Ouvi muita gente gritando,: "Sai,sai,sai". Quando olhei, vi que um desavisado jardineiro, estava atravessando a pista logo após a curva do "Café". Wilsinho estava tão concentrado no irmão, que nem percebeu o que estava acontece. Para piorar, o cara parou no meio da pista e ficou a perguntar o que estava acontecendo. Felizmente, um bombeiro foi lá e o retirou da pista, mas até hoje me pergunto, o porque teria um cara tão desavisado, num dia de teste de um F1, com aquele enorme barulho, entrar com um trator no meio da pista ?
O Emerson vinha acelerando até a entrada do boxes, onde deu um violenta freada, o que fez a carenagem do F6 voar longe...Entrou no box e parou no meio da pista. Cabeça baixa, tirou as luvas, desafivelou o capacete, e olhou fixamente para o irmão, que tinha acabado de sentar no pneu dianteiro do lado esquerdo. Com o dedo indicativo, Emerson fez um sinal de "vem aqui" para o Ralph Bellamy e disse:
-Tem algo de muito errado neste carro, ele não faz curvas, quase me jogou em cima do muro na primeira volta.
Ralph Bellamy , perdeu uma ótima oportunidade de ficar calado, e disse que o problema era o Emerson que não sabia pilotar um "carro asa".
Neste momento, meus amigos, a coisa descambou um pouco, mas o que vi, foi o Emerson, calmamente, soltar o cinto de segurança, descer do carro e colocar a mão no ombro do Ralph Bellamy , mas não numa atitude agressiva, o que eu acho é que o Ralf se assustou e foi andando para trás, até encostar na parede, ai sim, com dedo em riste, o Emerson falou:
-Nunca mais diga que eu não sei pilotar um formula 1, Respeite ao menos meu bicampeonato.
O mais incrível, é que isto aconteceu em dez ou vinte segundos, e que o Wilsinho partiu para cima do Ralf, e o Emerson que fez "deixa disso..."
Passado isso, Reginaldo Leme vai entrevistar o Emerson.
RL
-Emerson, dá para pensar em vitórias este ano.
EF
-Olha, foi só um teste para ver se estava tudo bem com o carro, eu não conheço o carro, o carro também não me conhece, mas vamos ver, vamos tentar.
Emerson pula para dentro do box, eu rato que era pulo atrás e me escondo atrás de uns pneus empilhados. Logo chega o Wilson e baixa a porta dos boxes, não sei para que, pois eles eram totalmente vazadas. Olha pro Emerson, e com um pontinha de esperança pergunta:
- E ai ?
Emerson responde:
-Não anda e não vai andar nunca, jogamos três milhões de Dólares no lixo, o carro parece uma banana assada de tanto que torce quando tenta fazer curva...
Lembro bem do Wilsinho passar a mão entre os cabelos e perguntar:
-E agora ?
Emerson responde:
-Agora, você leva tudo embora que eu não piloto mais esta encrenca.
De macacão, Emerson deixa os box pela parte de trás, entra na BMW do Wilsinho e sai acelerando...Wilsinho com as mãos nas cadeiras, lentamente move a cabeça e olha fixamente para mim. EU não estava lá, ele não me viu, tinha coisas mais preocupante a pensar. Barulho da porta e entra Divilla no box:
-Cadê o Emerson?
WF
-Foi embora...
Wilsinho, lentamente um movimento de meia volta e para....
-Porra, ele foi com o meu carro....
Cuca
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Conheci o Cuca no ano de 1972. Com 19 anos para tentar seguir carreira sem o apoio de meus pais fui trabalhar com o Expedito Marazzi. O Cuca uns 9 anos mais novo era e é amigo do Gabriel, filho do Expedito e os dois ficavam por lá nos perturbando, sentavam nos carros, faziam mil perguntas enfim verdadeiros Ratos de Box.
Obrigado meu amigo Cuca e um abração
Rui
Fotos; Quatro Rodas, a reportagem na QR Digital de Fevereiro de 1979.