A VERDADE NÃO SERIA BASTANTE PLAUSÍVEL SE FOSSE FICÇÃO - Richard Bach
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quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

O Líbio - por Henrique Mércio


Lorenzo Bandini, considerado o melhor piloto italiano dos anos sessenta, não era nascido na velha bota. Ele veio ao mundo em 21 de dezembro de 1935, em Barce, na época em que a Líbia era território italiano. De origem humilde, filho de um partigiani (guerrilheiro) que fora executado durante a II Guerra Mundial, teve um começo de carreira difícil, correndo na Fórmula Júnior até 1961.


A partir daí, tentou a Fórmula 1 através da Scuderia Centro Sud. Atrai a atenção do “Comendattore” que lhe dá uma chance na Ferrari em 1962. Uma de suas primeiras boas colocações é uma terceira posição em Mônaco, mas será sacado da equipe, trocado pelo belga Willy Mairese. No ano seguinte, só resta voltar à equipe de Mimmo Dei, correndo com um BRM, mas vence em dupla com Ludovico Scarfiotti as 24 Horas de Le Mans com uma Ferrari 250 P e Enzo o chama de volta. Esse era um período de entressafra dos pilotos italianos. Nos anos sessenta apenas quatro deles tiveram uma participação significativa no Campeonato Mundial. Giulio Cabianca, que em 1961 envolveu-se num bizarro acidente: ele estava testando seu Cooper-Ferrari T51 na pista de Modena quando teve problema nos freios do carro. Cabianca saiu da pista e atravessou o portão do autódromo, indo parar na avenida que passava em frente à pista. Na rua, bateu em um taxi com dois passageiros, causando a morte do motorista e dos dois ocupantes. Giulio também não sobreviveu. Giancarlo Baghetti surgiu como um meteoro. Em 196l ele venceu o primeiro GP em que competiu, o da França em Reims (feito único na Fórmula 1), mas depois não conseguiu repetir essa performance e em 1962 foi mandado embora da Ferrari. Restaram o rico e o pobre, isto é, Ludovico Scarfiotti e Lorenzo Bandini. Scarfiotti era sobrinho do poderoso Gianni Agnelli, dono da FIAT e por extensão da Ferrari. Um gentleman driver que corria por prazer. Em 1966, consegue a façanha de vencer o GP da Itália em Monza, com uma Ferrari 312. Ele encerraria sua participação na categoria correndo de BRM e faleceu numa prova de subida-de-montanha na Alemanha, pilotando um Porsche 910 em 1968. Quanto a Bandini, ele agarrou-se a nova chance de trabalhar para a Ferrari e em 64, forma dupla com John Surtees e os dois têm a difícil tarefa de vencer a Lotus, Jim Clark e a BRM. Até a metade da temporada os ingleses tomam conta do campeonato, mas os italianos reagem quando lançam seu propulsor de 8 cilindros.


Nessa corrida, Bandini fará a diferença. Isto porque Graham, um tanto tolamente para alguém com sua experiência, envolve-se numa disputa com Lorenzo, que na primeira oportunidade o acerta por trás e o manda para fora da pista




O carro do inglês não fica tão afetado e ele consegue voltar, bem como a Ferrari queria, fora da zona de pontuação. Enquanto isso Surtees vai tentando recuperar-se. Ocupa a quarta posição atrás de Clark (líder), Gurney e Bandini, colocações que dão o título a Graham Hill. À duas voltas do final, o velho azar de Clark faz com que seu motor quebre e Surtees passa a terceiro e a sua frente está o escudeiro Bandini. Os membros da equipe começam então a correr por todo o autódromo, para sinalizarem a Bandini que dê sua posição a Surtees. O italiano vê os sinais e deixa-se passar. John Surtees é o novo campeão do mundo com uma Ferrari azul e branca. Conhecido por seu fair-play, Graham Hill declarou que o incidente com o Bandini fora um lance de corrida e não acreditava que houvera má-fé por parte do italiano. Mas naquele Natal, Graham enviou de presente a Bandini um curso sobre “Como dirigir seu carro”, gravado em discos compactos. Em 1965, o ano só foi bom para Jim Clark, que venceu seis provas consecutivas e só deixou as sobras para os outros, como Bandini, que conseguiu um segundo lugar em Monte Carlo, mas venceu a Targa Florio em dupla com Nino Vacarella. Na temporada seguinte a categoria sofre uma mudança de regulamento (dos motores 1.5 para os de 3 litros), manobra que quase sempre proporcionava alguma vantagem à Ferrari, porém não desta vez. O problemático modelo 312 acabou fazendo com que o não menos temperamental John Surtees abandonasse o time, indo refugiar-se na Cooper. Para Lorenzo isso significou uma mudança em seu status: agora era o primeiro piloto da equipe e nessa temporada foi de novo o segundo em Mônaco, pista que considerava “a sua favorita”. Havia uma expectativa ou pressão, se preferir, forte sobre o piloto. Era preciso voltar a vencer.
Enzo Ferrari parecia gostar dele, provavelmente por sua origem humilde, que o fazia lembrar-se de si mesmo. Por isso sempre convidava Bandini e sua esposa Margherita para almoços ou jantares. Quanto tempo mais duraria a paciência do Comendador? Em 67, por algum motivo a Ferrari não comparece ao GP da África do Sul, o primeiro do campeonato, mas Bandini parece estar numa boa fase. Desde o início do ano, já venceu as 24 Horas de Daytona e os 1.000 Km de Monza, ambas formando dupla com Chris Amon numa Ferrari 330 P4. Nos treinos em Mônaco, Bandini faz o segundo melhor tempo, mas acha que desta vez irá vencer a corrida.


A prova começa e o italiano pula na frente. Entretanto, na primeira volta escorrega no óleo do carro de Black Jack Brabham na Curva da Gare, (atual Curva Loews) e perde três posições. Antigamente, um GP tinha 500 Km de percurso, o que em se tratando de Mônaco era uma maratona de quase três horas enfrentando uma pista estreita, com paredes, muros, calçadas e bueiros, uma interminável sequência de troca de marchas, acelerações e freadas e o alerta com os concorrentes. Tudo isso por 100 voltas. A liderança havia “caído no colo” de Dennis Hulme e o Velho Urso estava indo bem.


Bandini, que estava atrás de Pedro Rodriguez e de um velho conhecido, Graham Hill, tentava recuperar-se. Mônaco nunca foi o melhor lugar para se ultrapassar. Porém, dizem os italianos que Hill esforçou-se ao máximo para prender Lorenzo atrás de si e fazê-lo perder tempo (uma vendetta pelo México/64). Quando o italiano finalmente voltou à segunda posição, Hulme tinha uma boa vantagem. Bandini atirou-se a tentar alcançá-lo. Se tivesse sido contemporâneo do bi-campeão Emerson Fittipaldi, este teria comentado com ele sobre Monte Carlo: “É fácil ser rápido em Mônaco. Difícil é manter a concentração por mais de dez voltas”. Na 82ª volta, ao contornar a chicane do fim do túnel, bateu nos fardos de feno colocados junto ao cais do porto, para evitar mergulhos com carro e tudo, como o de Ascari (1955) e Paul Hawkins (1965). Feno é bom para amortecer batidas de motocicleta ou outro veículo que seja fácil de ser abandonado. Na batida, o carro ricocheteou para o meio da pista, virado e em chamas.


Fogo alto e descontrolado, era tanto que a princípio não se sabia se Bandini conseguira escapar dele ou não. Só tomou-se conhecimento da extensão da tragédia, quando foi possível chegar perto do que restou da Ferrari e viu-se que o piloto ainda estava no cockpit. Retirado, com 60% do corpo queimado, ele ainda resistiu três dias no hospital. Seu drama abalou profundamente o “circo” da Fórmula 1. Chris Amon, companheiro de equipe na Ferrari, passou várias vezes pelo monoposto incendiado e disse ter percebido a gravidade da situação ao olhar o rosto das pessoas que estavam no local. Uma delas era Giancarlo Baghetti, um dos primeiros a chegar ao carro. Mais tarde descobriu-se que o impacto da Ferrari foi na verdade contra um dos pinos de atracação usados para amarrar os iates, que estava atrás do feno. O pino teria atingido o tanque de combustível e principiado o vazamento e também amassara o habitáculo na altura do quadril do piloto, impedindo sua fuga. Foi a maior tragédia de Monte Carlo e roubou à Fórmula 1 o seu primeiro piloto do Oriente Médio. Uma causa? A longa e cansativa corrida monegasca teria feito Bandini errar um trecho bem conhecido. Dirigindo a mais de duas horas, a estafa teria causado sua desconcentração. Cansaço este que poderia ter sido agravado pelas voltas em que ficou preso atrás da dupla Rodriguez e Hill. Ele sabia o perigo que a chicane da saída do túnel representava, tanto que quando trabalhou como consultor para o diretor John Frakenheimer no clássico filme Grand Prix (1966), ao ser perguntado onde poderia acontecer um acidente durante o GP, não teve dúvidas em apontar o local onde ele morreria um ano depois.





Curiosidade: muitos pilotos de verdade participaram do filme Grand Prix, interpretando a si mesmos ou algum personagem da película. A maior participação é a do ex-campeão Phil Hill, responsável pelas cenas “on board” das provas, algo inédito na época. Graham Hill também tem um pequeno papel e há um dos personagens, Nino Barlini, interpretado por Antonio Sabato, inspirado em Lorenzo Bandini. Henrique Mércio 


segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Jim Clark

        Texto de Henrique Mércio.
Ninguém diria que o destino de JAMES CLARK JR., era o de tornar-se um dos maiores pilotos de todos os tempos. Caçula da família, cercado por suas quatro irmãs mais velhas, caberia ao jovem varão tocar os negócios de seu pai, ou seja, cuidar das suas duas fazendas de criação de ovelhas, nos frios campos da Escócia. Mas o “highlander” logo estava as voltas com seu primeiro carro, um Sunbeam Talbot Mark III. Só que corridas, nem pensar. Os pais eram contra. Um dia porém, ele e seu amigo Ian Scott-Watson foram a uma prova que Clark calculou que seria longe o bastante de sua família; e além disso era só uma experiência sem continuidade. Scott-Watson sim, já era piloto há algum tempo. Pois na tal competição, o jovem escocês conseguia ser de dois a três segundos mais rápido que ele. Era como um presságio.


No Lotus Ford Cortina, grandes corridas no Turismo.  

Lotus 30 S2 Ford.


          Crystal Palace.

Na Alemanha de Lotus 25 a seu estilo, tomando a ponta logo na largada. 
Depois de uma campanha dos amigos, finalmente Jim Clark começou a competir. Suas primeiras participações foram em corridas de Fórmula Júnior, categoria de promoção da época. É na Fórmula Júnior que ele conhecerá o homem que irá dar-lhe a glória e a tragédia: Anthony Colin Bruce Chapman. A Lotus de Chapman começara nas pistas em 1958, e precisava de um piloto ”matador”: Stirling Moss estava em final de carreira; Graham Hill não era raçudo o suficiente e Innes Ireland, obscuro demais. Clark seria o homem e aquela longa relação começaria no Mundial de 1960, com a estréia em Zandvoort. No ano seguinte, a Fórmula 1 está numa fase de transição, dos motores de 2,5 para os de 1,5 litros. Quem dá as cartas é a Ferrari. Seus pilotos Phil Hill e Wolfgang von Trips postulam o título. O novato Clark, terá um papel importante na decisão entre os dois. Em Monza, Clark disputa posição com von Trips. Na curva Viallone, é ultrapassado pelo alemão, mas pega o seu vácuo e na Parabólica tenta dar o troco. O piloto da Ferrari não o vê e eles batem rodas. Pior para von Trips, que segue de encontro a multidão, matando 14 assistentes e morrendo também, no pior acidente da história da categoria. Um fato mais ameno na carreira de Clark em 1961, foi sua participação junto a Roy Salvadori nas 24 Horas de Le Mans, com um Aston Martin. Carro pouco competitivo, chegam em terceiro lugar. No ano seguinte, experimenta o sabor da primeira vitória em um GP. Com o Lotus 25 ganha em Spa, Aintree e Watkins Glen. G.Hill e a BRM são um páreo duro. Ano equilibrado, a decisão fica para Magdalena Mixuca, no México. Clark larga bem e dispara na ponta, seguido de Hill. Perto do final, a distância entre eles é tanta que o escocês voador já parece campeão, mas seu carro começa a soltar fumaça e ele entra no Box. Motivo: um mecânico esquecera de atarrachar um parafuso, que fizera vazar todo o óleo do motor, dando o título a Hill. Em 1963, além do Mundial de F1, Clark e a Lotus competem pela primeira vez na Indy 500. Na Europa, humilha a concorrência vencendo em Spa, Zandvoort, Silverstone, Monza, Reims, México e East London. Na Indy lidera a corrida, mas é batido pelo “local” Parnelli Jones, terminando em segundo. Descontente, pede a Chapman para correr na Milwaukee 200 e aí sim, chega a colocar 31 segundos em cima de A.J. Foyt, vencendo fácilmente. Campeão Mundial de 63 é pouco para Jimmy, mas a temporada seguinte não é das melhores. Na Fórmula 1, é primeiro em Zandvoort, Spa e Brands Hatch, mas os novos motores V-6 da Ferrari dão o título a John Surtees, mesmo que na prova do México, este corra com uma esquisita pintura azul e branca (?!) no carro de Maranello. Em Indianápolis, Chapman opta por utilizar pneus Dunlop enquanto a concorrência continua de Firestone. Prejudicado por uma greve na fábrica que atrasa a entrega das gomas, é justamente um pneu furado que o tira da corrida. Como consolo, fica com o Campeonato Britânico de Saloon, uma categoria de turismo onde corre com um Lotus Cortina. Em 65, outro “chocolate” nos adversários, com vitórias em East London, Spa, Clermont Ferrand, Zandvoort, Silverstone e Nurburgring. No final da temporada, bi-campeão, sem contar que nesse ano venceu Indianápolis também. Quem poderia detê-lo? Resposta, uma mudança de regulamento. Para 1966, o tamanho dos motores sobe para 3 litros. A Coventry-Climax, fornecedora da Lotus cai fora e Clark tem de correr com o motor BRM. Vitória, só em Watkins Glen, onde seu motor quebra na reta final na última volta e ele chega no embalo. Também se dá mal em Indianápolis, onde corre com as cores da equipe de Andy Granatelli, e é prejudicado por uma carambola de vários carros no começo da prova. A pista demorou a ser limpa e a cronometragem tinha várias dúvidas quanto ao número de voltas percorridas. Jimmy, demonstrara todo o seu fantástico controle do carro ao corrigir uma rodada em plena reta evitando uma batida, mas não evitou que a vitória ficasse com seu “freguês de caderno”, Graham Hill, ainda que muitos digam que houve erro nos mapas e o vencedor tivesse sido Clark. 1967 o encontra morando na França, como forma de fugir do leão do imposto de renda e aguardando ansioso pela estréia do novo propulsor Ford Cosworth DFV. Quando o engenho fica pronto, Jimmy o estréia com vitória em Zandvoort. Repete a dose em Silverstone, Watkins Glen e no México, mas não consegue alcançar Denny Hulme, da Brabham-Repco. Contudo, para 68, com o novo Lotus 49 acertado, ia ser como tirar doce de criança.



Ele começa o ano vencendo em Kyalami. Mas havia um detalhe. Clark corria paralelamente na Fórmula 2. Naquela temporada, já participara de duas etapas. Em Hockenhein, Alemanha, tinha a chance de recuperação. Largou do meio do bolo e passou para sexto, posição que perde na volta seguinte. Está em sétimo, disputando uma prova sem importância, quando o carro roda, sai da pista e segue por entre as árvores da Floresta Negra, até colidir com uma delas. Era 7 de abril de 1968. Jim Clark tinha 32 anos. Se fisicamente não está mais entre nós, restam as lembranças e as imagens fortes. Prefiro recordá-lo no comercial de automóvel que fez certa vez. Close em seu rosto. Está sério, concentrado. De repente, como se lembrasse de algo importante, sobe no carro e vai-se embora, pela pista molhada e nebulosa. Henrique Mércio.


Publicado no Jornal Minuano, Bagé/RS em 25/04/98, por ocasião dos trinta anos do falecimento de Jim Clark.