Muito antes de Fernando
Alonso tornar-se um ídolo do automobilismo, os espanhóis torciam por Alfonso de
Portago nas pistas. Um piloto diferente, “Fon” era um nobre, autêntico marquês
que não se importava de disputar freadas com os “plebeus”. De curta carreira
(1953-1957), ele poderia ter entrado para a história da categoria como o piloto
de nome mais exótico a passar por ela: chamava-se Alfonso Antonio Vicente
Eduardo Angel Blas Francisco de Borja Cabeza de Vaca y Leighton Carvajal y Are.
Para evitar as piadas, incorporou o seu título nobliárquico (Marquês de
Portago) ao seu primeiro nome. Como dinheiro não era problema, nunca teve
dificuldades para comprar o carro que quisesse, até mesmo uma Ferrari.
Audacioso, uma de suas primeiras façanhas foi na aviação. Apostou com um amigo
que seria capaz de passar com um pequeno aparelho por baixo dos arcos de uma
ponte. De Portago ganhou a aposta, mas nunca pode tirar o brevê, ele que era
recém saído da adolescência. Gostava de correr com cavalos também e foi
integrante do primeiro time espanhol de bobsleigh (uma espécie de trenó),
competindo nas Olimpiadas de Inverno/56. Porém, como o próprio Fon disse certa
vez numa entrevista, sua paixão era o automobilismo. Casado, tinha dois filhos,
mas nunca deixou de agir como um latim lover, tendo muitas namoradas. Estava
quase sempre vestido de preto e com um cigarro na boca. Vestia-se de maneira
frugal, mas denunciava sua origem nobre ao falar. Na equipe a qual esteve por
mais tempo ligado, tinha uma relação difícil. Enzo Ferrari gostava de Portago
como cliente, não como piloto. Mas o convidou para substituir Luigi Musso
quando o italiano não pode continuar competindo em 1956. Das seis corridas em
que participou, a melhor foi em Silverstone, onde estava em terceiro, atrás de
Fangio e Moss, até ser chamado ao box, para ceder seu carro ao companheiro de
equipe, Peter Collins. Nesses casos, os pilotos dividiam os pontos da colocação
obtida. Fon de Portago entretanto, quis deixar bem claro sua insatisfação e
pegou na Ferrari de outro companheiro, Eugenio Castelotti, que havia batido.
Ele deu-se ao luxo de empurrar o carro abandonado e parou próximo à linha de
chegada. Então acendeu um cigarro, pulou para dentro do cockpit e esperou.
Quando o líder Juan Manuel Fangio recebeu a bandeirada e a corrida terminou, o
espanhol desceu e empurrou os metros que faltavam, recebendo a bandeirada em
10º lugar. Já sua parceria com Collins rendeu a 2ª posição, a melhor em sua
passagem pela F1. Em 57 ele continuou sua convivência instável com a casa de
Maranello. Escrevia à Scuderia, pedindo uma vaga na equipe de fábrica e como
resposta recebia uma foto sua, dando uma estampada em algum lugar. Em maio,
depois de nova desistência de Luigi Musso (virose), é escalado num dos carros
oficiais que participarão da Mille Miglia, uma singular competição de estrada
na Itália. A Ferrari tinha o modelo 335-S e contava com Piero Taruffi, Wolfgang
Von Trips, Peter Collins e Olivier Gendebien, além de Portago. A Mille Miglia
era disputada em estradas nem sempre fechadas ao público. Os carros tinham
numeração de três dígitos, de acordo com o horário de saída.
Partia da cidade de Brescia e seguia para Roma. Na capital dava meia-volta e retornava para o norte, para Brescia. Dias antes, reunido com seus pilotos, o Comendador provocou: “Não ficarei surpreso se Olivier (Gendebien) terminar na tua frente”, disse ele para de Portago, que não respondeu. Na verdade era mais que uma provocação, pois Gendebien iria correr com uma Ferrari GT, portanto menos potente que as 335-S da categoria principal.
O espanhol resolveu que
daria a resposta na pista e aquela madrugada, largou às 5:31, na companhia do
co-piloto Edmund G. Nelson, um velho amigo jornalista. Até Roma tudo foi bem.
Chegaram à capital na 5ª posição e encontraram a atriz Linda Christian (apesar
do nome anglicizado, era mexicana de nascimento), a grande paixão de Portago.
Ele freou perto dela, que foi até o carro e conversaram. O casamento nunca foi
motivo para que o marquês e Christian escondessem o namoro. Depois, trocaram um
beijo e ele prosseguiu até Bolonha, onde faria os reparos. Lá, uma surpresa
desagradável: seus mecânicos descobrem que a suspensão dianteira esquerda está
avariada e que seria melhor desistir, porque o carro não agüentaria até
Brescia. Fon toma a decisão condizente com o homem sem medo que era: ele ignora
e segue em frente. No retorno, não economiza o carro. Ultrapassa Manfredi em
Parma e depois Gendebien em Cremona.
Estava na terceira
posição, com Taruffi em primeiro e Von Trips em segundo. Collins um dos
ingleses queridinhos de Enzo desistira. A ordem final era clara: nada de
disputas domésticas. Taruffi deveria vencer, Von Trips seria o segundo e Fon, o
terceiro. A idéia de afrontar o velho arrogante desobedecendo-lhe os mandos,
devia estar germinando na cabeça de Portago desde aquela reunião de pilotos.
Faltando 30 km para a bandeirada, a Ferrari nº 531 aproxima-se da cidadezinha
de Guidizzolo e está num trecho de reta, a 220 km/h. Na entrada da cidade, a
quebra da suspensão comprometida (ou um pneu estourado) a faz guinar à
esquerda, bater num marco de sinalização de quilômetros e levantar vôo. Acerta
e derruba um poste telegráfico, que muda sua trajetória e a faz ir parar em
cima do público que está assistindo à beira da estrada.
Totalmente destruída, a
335-S vai finalmente parar numa vala à direita da estrada. Muitos feridos, dez
mortos, dos quais cinco crianças. Fon de Portago (28) e Eddy Nelson(40) foram
jogados fora do carro, depois da batida no poste. Nelson faleceu horas mais
tarde e o marquês morreu no ato. No blusão que vestia, havia além de seu
passaporte, uma pequena nota, dizendo que era católico e que se algo lhe
ocorresse, deveria ser chamado um padre.
Consideradas perigosas
tanto para pilotos quanto para o público, as Mille Miglia não foram mais
disputadas.
O acidente também
custou ao Commendattore um processo de quatro anos, que esvaiu os recursos do
time, forçando o início das malogradas negociações de sua venda para a Ford.
Enzo Ferrari terminou inocentado.
Henrique Mércio - Caranguejo
Post original de 16 de agosto de 2010
Extremamente interessante a estória. Gostaria de saber SEO deria ter a autorização de publicar esse texto (traduzido para o Inglês) e fotos em meu blog, The Classic Machines.com , com todos os devidos créditos ao seu blog e ao autor da matéria. Obrigado pela atenção
ResponderExcluirPode Rubens, o nome do Caranguejo é Carlos Henrique Mércio e o meu Rui Amaral Jr. Depois por favor rnvie o link. Obrigado,
ExcluirRui.
Olá Rui. Aqui está o link do meu post: https://theclassicmachines.com/2022/11/05/a-rebel-driver/
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