sábado, 5 de setembro de 2020

"Estou pronto para a morte"! O encontro com Jochen Rindt.

No primeiro treino na quinta-feira, o pesadelo começa com Jochen virando cinco segundos mais lento que a Ferrari de Jacky Ickx.

Miles pára nos boxes enquanto o carro de Jochen é desmontado.
Pelos seus semblantes, era de se pressupor que as coisas não iam bem.

Desde pequeno, mais precisamente aos três anos de idade pelos idos de 1981, tive meu primeiro contato com a F1. Por intermédio do meu pai, um fã declarado de Nelson Piquet e Stirling Moss, pude descobrir esse mundo fantástico e fui completamente contaminado por esse vírus! Gostava muito do Nelson e tinha um carinho especial por Gilles Villeneuve, tendo o GP do Canadá de 1981 ainda vivo em minha mente e lembrando como se fosse ontem, quando minha mãe veio até o quintal onde brincávamos, me dar a triste notícia naquele fatídico 8 de maio de 1982.
Pois o tempo passou, Nelson foi bicampeão e o garoto agora aos sete anos, aprende a ler e descobre uma nova paixão: Ficar horas e horas com coleções de revistas antigas especializadas espalhadas pelo carpete do quarto em uma viagem incrível no tempo, contemplando fatos e mergulhando de cabeça na história da F1! Pois em uma dessas ocasiões, lendo uma Autoesporte de 1973 que trazia uma reportagem sobre todos os campeões mundiais, tive meu primeiro contato com Jochen Rindt. O texto trazia o seguinte título: Jochen Rindt (1942-1970), campeão do mundo (1970). Imaginem para um garoto de sete anos compreender como um piloto poderia ter ganho um campeonato post-mortem e dali em diante surgiram diversas interrogações em minha mente e eu me perguntava mas como? Ele estava em seu melhor momento e simplesmente deixa esse plano e fãs que o idolatram de uma forma estúpida e violenta, seguindo imposição de um chefe de equipe que só se importava com o sucesso, deixando a integridade dos seus pilotos em segundo plano! Mais adiante um pouco, assisti pela primeira vez o filme "O fabuloso Fittipaldi" e tive contato com as cenas do acidente. No mesmo tempo já com nove anos, fui a um sebo e adquiri o exemplar número 123 da revista Quatro Rodas (outubro de 1970), que tinha as fotos e reportagem do acidente com o depoimento do Emerson. Apesar de meus pais e tios possuírem diversos exemplares, eles não tinham as coleções completas. A partir de então eu quis saber tudo sobre sua vida, a infância, o início nas competições e a carreira em outras categorias, pois Jochen era polivalente, corria de tudo quanto era tipo de carro! Apesar de algumas reportagens veiculadas na época dizerem que ele era arrogante, não era isso que se via e nas suas apresentações do programa Motorama da ORF, o que se podia pressupor era que ele era um tanto tímido e introvertido, mas seu estilo um tanto despreocupado arrastava milhares de fãs onde quer que houvesse uma corrida! Jochen era um gentleman, todos os pilotos gostavam e era de fácil comunicação, muitas vezes trocava gentilezas dentro das pistas. Ele as vezes exagerava e quando indagado se iria deixar as pistas no fim do ano, ele disse: "Agora que já sou quase campeão mundial? Estou pronto para a morte"!

Com o chefe dos mecânicos Eddie Dennis, tentando achar alguma solução para o fraco desempenho do carro.
Últimas fotos na tarde de sábado, antes de sua derradeira saída dos boxes.

Agora vamos viajar no tempo para exatos 50 anos atrás, a primeira semana de setembro que era ocasião do GP da Itália de F1. A Lotus apesar de ter feito a pole position na Áustria, se deparou com uma Ferrari muito forte e sabiam que em Monza que na época era quase a volta toda "flat", as coisas só iriam piorar! O que eles não contavam é que o carro simplesmente não andou com o aerofólio no lugar, tendo Jochen virado em ridículos 1'29" no treino de quinta-feira! Na sexta-feira no início do treino, Jacky Ickx da Ferrari pulveriza todos os recordes e marca impressionantes 1'24"14, que seria o tempo definitivo do final de semana. Chapman resolveu tirar tudo e deixar o 72 pelado, sem qualquer adorno aerodinâmico. Já nas primeiras voltas Jochen reclamava que o carro pendulava em plena reta, tanto que Miles nem quis mais sair, por medo que algo acontecesse. Pouco depois Emerson se distrai e bate o terceiro carro da equipe, sem maiores consequências. No final do treino o saldo era completamente decepcionante, com ele alcançando 1'25"71 em sua melhor passagem e ficando com a sexta colocação, a mais de 1,5 segundo da Ferrari. E tudo isso sem poder confiar no carro, muito sensível as rajadas de vento e extremamente perigoso! Esse tempo lhe daria apenas a décima segunda colocação nos tempos combinados e eles não sabiam mais onde melhorar. Foi quando Jochen sugeriu que trouxessem um Lotus 49, carro que ele havia feito a pole position no ano anterior e que se comportava perfeitamente sem o aerofólio. A idéia foi vetada por Chapman que não queria mais ter que recorrer ao carro antigo. 

Eddie Dennis faz a última checagem.
 Na volta anterior ao acidente.


No sábado pela manhã em uma conversa com Emerson, propõe a este que passe a comandar seu show na F2 e que se ele aceitasse, se chamaria "Jochen Rindt-Fittipaldi Show". No primeiro treino a tarde, saiu para tentar tudo em algumas voltas e segundo Denis Hulme que fora ultrapassado por ele um pouco antes do acidente, estava muito veloz! Hulme conta que o carro pendulava como de praxe e próximo a entrada da curva na área de frenagem, dá uma forte guinada para a direita e na tentativa de corrigir é jogado com violencia para o guard rail do lado oposto. O impacto é tão forte que toda a seção frontal do carro é arrancada na altura do painel e ele sofre um traumatismo torácico. 

Jochen desce a reta que leva à curva Parabólica, nessa que seria a última foto antes do acidente.
Jochen tenta corrigir o carro fora de controle e é jogado com violência contra o guard-rail.
O fiscal corre assustado quando o carro pára. Jochen está inerte com suas pernas a mostra, antecipando o que todos já esperavam.

Em seguida o carro roda violentamente com força para trás, jogando-o para dentro do cockpit, com o cinto sem o quinto ponto cortando-lhe a traquéia. Quando o carro parou e os médicos e fiscais chegaram, pouco havia a se fazer e mesmo assim ele ainda teve a explosão da aorta, em uma infeliz massagem cardíaca. Foi colocado em uma ambulância e levado já sem vida para o hospital em Milão e tudo porque pelas leis italianas se um piloto morresse na pista, a mesma teria que ser interditada impossibilitando a realização da corrida. Enquanto Stewart tentava confortar Nina, esposa de Jochen e lhe passar a notícia, Chapman rapidamente recolhe tudo e deixa a Itália, com receio dos problemas que enfrentaria com a justiça, pois desde então já se sabia que o motivo teria sido uma falha mecânica. Stewart chocado não consegue falar aos repórteres e o mundo simplesmente desaba para aquele que chegava a Monza como eminente campeão mundial e que nem precisava de tantos esforços para alcançar a tão sonhada glória! No seu velório em Graz, no dia 11 de setembro, Joakim Bonnier é o mestre de cerimônia e diante de uma Nina com muitas olheiras e visivelmente abatida, cita Jochen como campeão mundial pouco antes da lápide ser fechada, pondo um fim em uma era e o alçando para sempre aos anais da F1, como único campeão post-mortem da história! O fato se consumaria em Watkins Glen, quando Jacky Ickx que precisava vencer as três últimas, não passou de um quarto lugar e não conseguiu superar a enorme vantagem que Jochen tinha na tabela, ficando a coroa para quem realmente a merecia!

Stewart dando a notícia para Nina.
Nina visivelmente abatida, vai ao funeral do marido.
 Graham Hill, seu ex companheiro de equipe e Jack Brabham seu ex patrão, mostram seus semblantes de tristeza no funeral.
Nina, Stewart seu grande amigo e a taça de campeão mundial.



Texto e fotos Marco Zanicotti



3 comentários:

  1. https://primotipo.files.wordpress.com/2020/09/cf85067a-33f5-4b0a-a966-3a3733ea38a1.jpeg?w=1024&h=680: Nessa foto, o mecânico Eddie Dennis ao lado do carro de Rindt.

    O programa em que a RAI informa o campeonato de Rindt, após a vitória de Emerson, em Watkins Glen, é patético, cheio de erros e um cara fica um tempão calculando numa lousa para concluir: Rindt é o único campeão 'post morten' da história.

    Muito legal essa 'releitura' do Marco Zanicotti, que não viveu, mas reviveu essa história triste e mítica.

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    1. Dio mio! Que foto Walter!
      Rindt não usava a parte de baixo do cinto de segurança...de qualquer forma os carros da época se desmanchavam.

      Ótimo feriado, um abraço.

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    2. Obrigado Walter, sou fissurado nele desde criança, parece até haver uma ligação! Faço parte do Fã clube oficial localizado em Zerlach, Áustria. Tem uns coroas muito bacanas por lá. Inclusive troco mensagens via WhatsApp com o líder do Fã clube e ele inclusive me enviou a moeda de campeão mundial, com o rosto do Rindt cunhado nela. Abraço!

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Rui Amaral Jr