segunda-feira, 22 de agosto de 2011

RATO NO BOX

Emerson e a F6 em Interlagos.
Texto; Mario Marcio G. Souto Maior - Cuca

Teste do F6...

  Há algum tempo, que o amigo Rui Amaral me pediu para escrever um texto para o Histórias. Talvez tenha se passado alguns meses, talvez um ano, não importa, o fato é que sentei para escrever sobre o meu grande ídolo Emerson Fittipaldi. Poucas pessoas tem o talento nato de pilotar um carro como o Emerson, segundo seu irmão Wilson, que diz que viu poucos pilotos assim, e cita Graham Hill, Ronnie Peterson, Jackie Stewart e Airton Senna, palavras do Wilsinho. Segundo ele, o que o Emerson leva uma volta para entender o comportamento de um carro, ele, Pace ou Piquet, levariam 30 ou 40 voltas. Que fique claro que o Wilsinho não esta falando em pilotagem e sim em sentimento, pois, qualquer um dos que ele citou mesmo não tendo este sentimento, com certeza são excelente pilotos. Por tanto, o que vou relatar, diz exatamente isso, como um cara como o Emerson, desafiou um carro e deu um veredicto final.
Muito se falam sobre o primeiro teste do Copersucar F6, em 8 de janeiro de 1979, bom, eu estava lá, e o que vou relatar, é o que eu vi, e quero deixar bem claro que eu estava ao lado do Wilsinho pois era uma rato de box, e com certeza ele nem sabia quem eu era.

O dia amanheceu bonito, fui para Interlagos sozinho e de ônibus, entrei pelo antigo portão 3, um funcionário me indicou o caminho das arquibancadas, agradeci, e lógico, fui pelo túnel até os boxes. O F6 estava lá, Darci,  Ricardo Divilla e alguns mecânicos mexiam nele. Foi o tempo de eu observar como era belo e bem feito o F6, fiquei orgulhoso de ser brasileiro, como sou até hoje.
Alguns minutos se passaram e Wilsinho e Emerson chegam num BMW branco. Era um BMW cheio de aerofólios, abas e na minha modesta opinião, feio "pra carai", nunca achei aquilo bonito, mas enfim, era o carro do Wilson Fittipaldi. O Emerson já estava de macacão, depois de uns 15 ou 20 minutos, com um largo sorriso, entrou no carro, falou com o Wilson e combinou três voltas lentas e uma parada no box  para uma revisão no estado do carro.

Ao lado de Emerson o Ricardo Divila e lá atrás certamente uma daquelas cabeças é a do Cuca.

Emerson foi para a pista e fez a primeira volta pelo anel externo, bem lentamente. Passou na frente dos box, a uns 150, 160 km/h, entrou na curva "Um" sem frear e um enorme barulho de pneus cantando tomou conta do autódromo, ai começou o drama. Wilsinho gritou:
-Ele rodou...
Eu estava ao seu lado e disse:
-Não, ele esta entrando na "Dois"...
Emerson deixou o carro rolar na "Dois", "embicou" o F6 no retão e acelerou a barata a fundo.
Aqui, vale um adendo: o F6 tinha uma particularidade, os escapamentos virados para a frente do carro e saiam na lateral do F6, isso dava um ronco muito característico ao F6, pois o som saía pelas laterais e batia nos guard rails e produzia um som muito alto e embolado, que o Emerson depois disse não gostar, e não era para gostar mesmo, pois o som não era bonito, era assustador, fazia o autódromo parecer pequeno.
Enfim, o Emerson acelerou e fez a "Três" e "Quatro".  A esta altura, o Wilsinho, eu e um monte de gente já estávamos na grade do "Laranja". O Emerson saiu da quatro e desacelerou. e "chacoalhou" o caro de um lado para ou outro e enfiou o pé no acelerador novamente, rumo a "Ferradura". O Wilsinho já perguntava em voz alta:
-O que ele esta fazendo ? Tem alguma coisa errada...
Emerson veio pela reta que antecede a "Ferradurra" rápido e mandou o F6 para dentro.
Chego a me arrepiar quando lembro...O carro chimava, gritava os pneus, e o Rato segurando o bicho com um cavalo bravo... Fez a "Ferradura", e novamente desacelerou, mais uma vez,"chacoalhou" o F6 e pé em baixo. Subiu o “Lago“, "Reta Oposta", "Sol" e "Sargento" e a bota em baixo, urrando ele passou pelo "Laranja", o F6 parecia um Kart saindo nas quatro rodas. Wilsinho de boca aberta só disse:
-Que é isso...
Emerson freiou forte na entrada do "S" e fez o "Pinheirnhho", "Bico de Pato" e "Mergulho" muito devagar. O Wilsinho disse já se mexendo para voltar para o boxes.
-Ele vai parar...
Enquanto caminhávamos para os box, ouvimos o assustador ronco do F6, corremos em direção a mureta dos boxes, quando chegamos, Emerson vinha saindo do "Café" de pé em baixo. Foi o tempo de debruçar na mureta e o F6 passar num pau...Wilsinho colocou a mão na cabeça e gritou:
-Ele é louco, ta querendo se matar...
O F6 entrou na curva "Um", chimando e reclamando,fez a "Dois", "Retão", e nós, mais uma vez corremos para  a grade do "Laranja".

O que posso dizer, é que o F6 virou um Kart na mão do Emerson. Ele veio em direção a "Ferradura", numa tomada muito "doida", e mandou fundo, o F6, malcriadamente, jogou a traseira, Emerson só deu um toque no volante, e fez a "Ferradura" em uma espetacular derrapagem controlada, com se estivesse andando num carrossel...Nunca, na minha vida, vou esquecer da posição das mão do Emerson, tranquilas e firme...somente segurando o volante com toda a "finesse" que lhe era característica. Bom, o F6 subiu o lago,"Reta oposta", "Sargento" e passou diante dos meus olhos no "Laranja", saindo nas quatro, como se costuma dizer, mas totalmente na mão do "Rato". Ai aconteceu algo inesperado. Ouvi muita gente gritando,: "Sai,sai,sai". Quando olhei, vi que um desavisado jardineiro, estava atravessando a pista logo após a curva do "Café". Wilsinho estava tão concentrado no irmão, que nem percebeu o que estava acontece. Para piorar, o cara parou no meio da pista e ficou a perguntar o que estava acontecendo. Felizmente, um bombeiro foi lá e o retirou da pista, mas até hoje me pergunto, o porque teria um cara tão desavisado, num dia de teste de um F1, com aquele enorme barulho, entrar com um trator no meio da pista ?


O Emerson vinha acelerando até a entrada do boxes, onde deu um violenta freada, o que fez a carenagem do F6 voar longe...Entrou no box e parou no meio da pista. Cabeça baixa, tirou as luvas, desafivelou o capacete, e olhou fixamente para o irmão, que tinha acabado de sentar no pneu dianteiro do lado esquerdo. Com o dedo indicativo, Emerson fez um sinal de "vem aqui" para o  Ralph Bellamy  e disse:
-Tem algo de muito errado neste carro, ele não faz curvas, quase me jogou em cima do muro na primeira volta.
 Ralph Bellamy , perdeu uma ótima oportunidade de ficar calado, e disse que o problema era o Emerson que não sabia pilotar um "carro asa".
Neste momento, meus amigos, a coisa descambou um pouco, mas o que vi, foi o Emerson, calmamente, soltar o cinto de segurança, descer do carro e colocar a mão no ombro do  Ralph Bellamy , mas não numa atitude agressiva, o que eu acho é que o Ralf se assustou e foi andando para trás, até encostar na parede, ai sim, com dedo em riste, o Emerson falou:
-Nunca mais diga que eu não sei pilotar um formula 1, Respeite ao menos meu bicampeonato.
O mais incrível, é que isto aconteceu em dez  ou vinte segundos, e que o Wilsinho partiu para cima do Ralf, e o Emerson que fez  "deixa disso..."
Passado isso, Reginaldo Leme vai entrevistar o Emerson.
RL
-Emerson, dá para pensar em vitórias este ano.
EF
-Olha, foi só um teste para ver se estava tudo bem com o carro, eu não conheço o carro, o carro também não me conhece, mas vamos ver, vamos tentar.
Emerson pula para dentro do box, eu rato que era pulo atrás e me escondo atrás de uns pneus empilhados. Logo chega o Wilson e baixa a porta dos boxes, não sei para que, pois eles eram totalmente vazadas. Olha pro Emerson, e com um pontinha de esperança pergunta:
- E ai ?
Emerson responde:
-Não anda e não vai andar nunca, jogamos três milhões de Dólares no lixo, o carro parece uma banana assada de tanto que torce quando tenta fazer curva...
Lembro bem do Wilsinho passar a mão entre os cabelos e perguntar:
-E agora ?
Emerson responde:
-Agora, você leva tudo embora que eu não piloto mais esta encrenca.
De macacão, Emerson deixa os box pela parte de trás, entra na BMW do Wilsinho e sai acelerando...Wilsinho com as mãos nas cadeiras, lentamente move a cabeça e olha fixamente para mim. EU não estava lá, ele não me viu, tinha coisas mais preocupante a pensar. Barulho da porta e entra Divilla no box:
-Cadê o Emerson?
WF
-Foi embora...
Wilsinho, lentamente um movimento de meia volta e para....
-Porra, ele foi com o meu carro....

Cuca

------------------------------------------------------------------------

Conheci o Cuca no ano de 1972. Com 19 anos para tentar seguir carreira sem o apoio de meus pais fui trabalhar com o Expedito Marazzi. O Cuca uns 9 anos mais novo era e é amigo do Gabriel, filho do Expedito  e os dois ficavam por lá nos perturbando, sentavam nos carros, faziam mil perguntas enfim verdadeiros Ratos de Box.
Obrigado meu amigo Cuca e um abração 


Rui

Fotos; Quatro Rodas, a reportagem na QR Digital de Fevereiro de 1979.


24 comentários:

  1. Cuca você é um escritor e tanto. Todo esse sofrimento com carros que nascem ruins é normal no universo das corridas. O problema foi a mídia dita especializada brasileira que destruiu a reputação de uma equipe corajosa.
    A mídia é muito descompromissada com as causas em geral, querem apenas vender notícias, sejam elas boas ou ruins.

    ResponderExcluir
  2. Cuca, Rui,

    Só mesmo um mito com o Emerson para deixar de lado a possibilidade de conquistar mais títulos na F1 para se dedicar a um sonho que muitos, inclusive eu, na época, não souberam respeitar.

    Quem conhece a história dos Fittipaldi sabe que eles não se contentavam em apenas pilotar. Ao lado do Divila criaram máquinas espetaculares. Um volante Fórmula 1 era objeto de desejo dos "boys" e foi criado e comercializado pelo Emerson, que também teve escola de pilotagem.

    Longa vida ao nosso grande ídolo, que abriu o caminho para os brasileiros no automobilismo europeu.

    PS - Rui, eu sei que o Avallone foi antes, mas ele foi mais importante na realização das provas internacionais e na construção do protótipo que revolucionou a Divisão 4.

    Abraço,

    Danilo Kravchychyn
    Ponta Grossa - PR

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. -O Avallone foi antes sim, mas conseguiu primeiro uma licença internacional FIA de expedição inglesa e competiu também primeiro e com folgada Vitória foi o Carioca Ricardo Achcar.

      Excluir
  3. Obrigado a vcs e Danilo o Baixinho foi antes e ajudou o Rato e apesar de meu amigo sei que como piloto jamais se compararia ao nosso grande campeão.

    Abs

    ResponderExcluir
  4. Esqueci... na época acreditava piamente que Emerson conseguiria...

    ResponderExcluir
  5. Cuca,

    Me lembrei de mim...em 78 nos Boxes da Fittipaldi em Jacarepaguá...belo texto e ótima história.

    ResponderExcluir
  6. Rui, Cuca.

    Obrigado. Lendo esse texto....eu estava lá.

    ResponderExcluir
  7. Que história hein? Um dia os Fittipaldis serão reconhecidos e receberão todas as homengens possíveis. Foram desbravadores e cairam por vários motivos, mas a imprensa (des)especializada e em geral teve papel importantíssimo na decorrada da equipe. Infelizmente grande parte do povo brasileiro gosta de fazer chacota de tudo, e acaba não respeitando muitas coisa. Os Fittipaldis sofreram muito com isso. Abraços

    ResponderExcluir
  8. Os Fittipaldi foram verdadeiros heróis naquela época.Construíram um carro por demais avançado.E ninguém deu valor.Parabéns ao clã Fittipaldi e também ao Cuca e o grande Rui pelo ótimo texto e imagens.

    ResponderExcluir
  9. Concordo com o Joel em tudo por ele descrito, e é pouco ainda por tudo que eles fizeram pelo automobilismo brasileiro.

    PS. O mecanismo para montar a barra estabilizadora traseira com regulagem do meu Divisào 3, foi o Wilsinho que me deu de presente....

    ResponderExcluir
  10. Grande texto. Parabéns ao Cuca e ao Rui. "Insider information" é sempre ótimo....

    ResponderExcluir
  11. Nos treinos oficiais, na 6ª feira, eu estava na arquibancada e decidi andar até a curva 1 para ver como um F1 chegava e fazia essa curva. O Emerson saiu dos boxes e veio forte na reta de largada. Após iniciar a curva 1, o carro se comportou de maneira muito estranha, meio saindo de traseira, meio sem digiribilidade. Vi aquilo e olhei para os lados para comentar com alguem, mas estava só. Mais para frente os comentarios do Emerson explicaram o que aconteceu: o chassi torcia muito e prejudicava o efeito solo e funcionamento das mini-saias.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Belo e ruim, assim foi este carro, obrigado pelo comentário Michel, abraço!

      Excluir
  12. Delícia de relato ! Deixa a gente com aquele gosto de "quero mais".
    Parabéns Márcio !

    ResponderExcluir
  13. Cuca,

    me senti nos boxes lendo seu texto - carregado de sinceridade e emoção... parabéns...

    E ao amigo Rui, um grande abraço

    ResponderExcluir
  14. Em meus 62anos e desde o 12 acompanhando a velocidade, esse foi de longe a melhor narrativa que li..

    ResponderExcluir
  15. Ricardo Mallio Mansur1 de julho de 2016 às 18:48

    Um texto muito bem escrito que relata uma verdade desconhecida por até quem era do ramo, que diria então os deturpadores de plantão. Um texto para ler e reler, assim como os relatos do Edgard Mello Filho! Parabéns, Marcio! Abs!

    ResponderExcluir
  16. Belo relato do Cuca, testemunha da história. Vamos ver o que mais o cara conta...
    Caranguejo

    ResponderExcluir
  17. Quero agradecer a todos os que leram e os que comentaram o meu texto. É realmente emocionante saber que vocês gostaram da narrativa. O próprio Wilson Fittipaldi Junior, compartilhou o mesmo texto em sua pagina do Facebook, o que, claro, me deixou muito envaidecido...O André Candreva, também postou no seu blog, e eu o agradeço imensamente. Mas tenho que agradecer especialmente a Rui Amaral pela oportunidade. Grato de coração Rui. Forte e veloz abraço a todos. Mario Souto Maior.

    ResponderExcluir
  18. Acabei de ver e ler esse texto,infelizmente no nosso país as pessoas não reconhecem não tem memória e não dão valor,mas aqui na minha casa sim,o meu marido Claudio Martinelli é fã incondicional do Emerson Fittipaldi sempre desde menino ia para Interlagos,tanto é que nós temos um filho que nasceu em 1972 no ano que o Emerson foi campeão e ele colocou o nome de Emerson Martinelli e também se tornou um piloto,texto muito bonito,parabéns.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigado senhora, agora para nossa infelicidade querem acabar com nosso Interlagos, vou transmitir seu comentário ao Cuca.

      Excluir
  19. - Gostei da narrativa da história !
    - Mas aquela parte da uma volta do Emerson e das 30 ou 40 de caras como Graham Hill, Jackie Stewart, Piquet e outros.
    - Seu Wilson deveria ser muito menos parcialista, pois não desta mas já vi em outras. Fica feio, até ridiculo e eles não precisam disto !

    ResponderExcluir

Os comentários serão aprovados por mim assim que possível, para aqueles que não possuam blogs favor usar a opção anonimo na escolha de identidade. Obrigado por sua visita, ela é muito importante para nós.

Rui Amaral Jr